segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O golpe das privatizações



A segunda questão crucial que desafia o Brasil – a política de privatização das empresas estatais – só aparentemente é de caráter interno. Na realidade das coisas, trata-se de uma exigência externa, dos países ricos, que nos querem impor imperativamente, como política econômica de salvação nacional, uma orientação dos interesses deles, que só agravará nossa precaríssima situação.
O espantoso é que essa política externa vem se tornando uma força interna pela manipulação da opinião pública pela mídia, que difunde as mentiras mais deslavadas como se fossem verdades incontestáveis.
Não é verdade que as privatizações programadas permitam realizar novos investimentos estrangeiros. Se se quer trocar bens palpáveis e vultosos pelos papéis da dívida agrária, ou, pior ainda, por parcelas artificialmente valorizadas da dívida externa, o que se processa não é o fortalecimento de nossa economia. É, isto sim, uma operação de recolonização e de avassalamento pela entrega do comando de setores fundamentais a mãos estrangeiras ou nativas, só preocupadas em otimizar seus lucros.
Não é verdade que por aí existam, perseguidos e discriminados, empresários shumpeterianos nativos, em cujas mãos as empresas públicas floresceriam. Menos verdade, ainda, é a ilusão de que o corpo de gerentes das empresas estrangeiras seria mais capaz de atender aos interesses do povo brasileiro. Esta afirmação falsa seria uma ingenuidade palmar, se não fosse, ao contrário, descaradamente sagaz e treteira.
Não é verdade que pelo caminho das privatizações reduziríamos a nossa dívida externa, porque se isso se der será em proporção insignificante e através de negociatas de receber, com o valor de cem por cento, títulos negociáveis em Wall Street por vinte e cinco por cento. Uma roubalheira que não nos traria um só dólar novo, não criaria um só emprego novo, mas nos empobreceria substancialmente, subtraindo enorme patrimônio estratégico construído nos últimos cinqüenta anos.
Não é verdade, também, que, por esta via, alcancemos o domínio da tecnologia industrial moderna. As empresas nacionais, que se quer alienar, são das mais eficazes em seu campo de ação. Em todo o mundo, as grandes empresas tratam a tecnologia que dominam como seu bem mais precioso e tudo fazem para monopolizá-la. Seu segundo bem operativo é a mão-de-obra especializada que movimenta as suas empresas, cuja preparação e atualização é por vezes seu principal investimento. Também para nós a tecnologia de ponta, dominada pelas empresas públicas, bem como a força de trabalho especializada com que contam, são bens preciosos, cuja alienação só se compreenderia se pagassem por eles seu valor de reposição.
Não é verdade que o Estado deve retirar-se da atividade econômica para dedicar-se às suas funções mais básicas – educação, saneamento, construção de estradas etc. Todos sabem que, antes do advento das estatais, o Estado brasileiro não era mais eficiente do que é hoje no desempenho dessas funções. A infra-estrutura industrial brasileira foi reforçada pela intervenção estatal justamente para que se criassem excedentes que permitissem a melhoria das condições sociais. E os excedentes estão aí, na forma do lucro gerado pela Vale, pela Petrobrás, pela Eletrobrás e pela Telebrás. Perdem-se por incompetência dos governantes.
Não é verdade que esta entrega elevaria a eficiência produtiva das empresas, mercê de uma gerência mais criativa e competente. Não é assim. A Petrobrás é uma das empresas mais eficazes do mundo e seu desempenho no Brasil é infinitamente melhor para nós que o das empresas petroleiras, nacionais e estrangeiras, que aí existem.
O mesmo se pode dizer da Companhia Vale do Rio Doce, que é também das principais do mundo, em seu campo. Incomparavelmente melhor que a Hanna Corporation, por exemplo. Esta última teve avaliado o seu desempenho de forma irretorquível, ao receber da ditadura, como dádiva de reconhecimento de seus méritos de financiadora do golpe militar de 1964, nada menos do que a Rede Ferroviária Federal – que lhe custaria quatro bilhões de dólares se tivesse que ser construída. Ela, e seu disfarce nacional, a utilizam, desde então, para o transporte de minério com custos subsidiados pelo Brasil. De sua próspera ação econômica só nos ficarão os buracos dos lugares de suas jazidas e o sucateamento da rede.
É de recordar que os privilégios dados à Hanna pela ditadura representaram uma reviravolta na política econômica do governo João Goulart. Fundada no Plano Eliezer, ela destinava todos os recursos provenientes da exportação de minério de ferro à construção de novas siderúrgicas. Nossa meta era fazer do Brasil um grande exportador de aço.


Texto extraído do livro intitulado “O Brasil como problema”, do professor Darcy
Ribeiro

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