quinta-feira, 21 de julho de 2011

NOVA RONDA ALTA

Nova Ronda Alta terra prometida

Quando a união não falta, sobre a terra é vida

Terra Prometida que conquistaremos

Com força unida e os irmãos que temos.


Nós pobres podemos, Deus está por nós

Juntos venceremos muitos "Curiós"

E pra gauchada que firme onde está

A golpe de enxada o chão crescerá.


Esta terra é nossa vida São Sepé!

E não há quem possa dobrar nossa fé

Cada encruzilhada que vencer o povo

É uma caminhada para o mundo novo.


A terra vermelha como sangue puro

Germina na história o nosso futuro

Batiza a barragem e o resto que espera

Águas de passagens páscoa verdadeira


Muitos vão em frente de nossa esperança

E dentro da gente todo povo avança

A cruz por bandeira e o amor deste chão

Somos sementeiras de libertação.



(Dom Pedro Casaldáliga)


terça-feira, 19 de julho de 2011

Drama índio

Tive terra

não tenho.

Tive casa

não tenho.

Tive pátria

venderam.

Tive filhos

estão mortos

ou dispersos.

Tive caminhos

foram fechados.


Fonte: Poesia de Pedro Tierra sobre a história da destruição dos povos indígenas “brasileiros”.

A história dos povos indígenas...

É uma história triste.

É uma história de sofrimento.

É uma história de dominação.

É uma história

da qual todo mundo tem que ter vergonha.

É uma história

da qual o governo tem que ter vergonha.

É uma história

da qual as missões têm que ter vergonha.

Por isso,

é uma história que o branco sempre escondeu.

(CIMI, 1984)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

TERRA*

Do rei são amigos três

o que tem e não faz

o que faz porque tem

o que tem e quer mais.


O primeiro grileiro tem domínios feudais

O segundo grileiro tem incentivos fiscais

O terceiro grileiro tem favores oficiais


Ave Maria, rogai por nós.

Ave Maria, rogai por nós.


Trabalhador perseguido

pela doença abatido

tem três favores reais:

trabalho escravo ao grileiro,

miséria pro seu terreiro

e terra para nunca mais.


* Trecho do poema de Eugênio Alberto Lyra Silva, Advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e Bom Jesus da Lapa, Bahia, 30 anos, assassinado por pistoleiro a mando de latifundiários em 22 de setembro de 1977.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Crise estrutural necessita de mudança estrutural



Dia 20 de junho tive o prazer de assistir na UERJ a conferência “Crise estrutural necessita de mudança estrutural”, ministrada pelo professor István Mészáros que, além de discípulo de G. Lúkacs, é o maior pensador marxista vivo. Ele já está muito idoso, mas com uma lucidez e vigor próprios dos revolucionários. O texto abaixo, apesar de ser um pouco longo, vale a pena ser lido, pois discute os elementos da crise estrutural do capital que, embora tenha aparecido com força no final de 2007, começou, segundo Mészáros, na década de 1970. Tenha uma excelente leitura.



1CRISE ESTRUTURAL NECESSITA DE MUDANÇA ESTRUTURAL*


Quando se enfatiza a necessidade de uma mudança estrutural radical deve-se tornar claro desde o início que isso não é um apelo a uma Utopia não realizável. Ao contrário, a característica definidora primária das teorias utópicas modernas era precisamente a projeção de que a melhoria pretendida nas condições de vida dos trabalhadores poderia ser alcançada no âmbito da base estrutural existente das sociedades criticadas. Assim, Robert Owen de New Lanark, por exemplo, que tinha uma parceria comercial basicamente insustentável com o filósofo liberal utilitarista Jeremy Bentham, tentou com esse espírito a realização geral de suas esclarecidas reformas sociais e educacionais. Ele pedia o impossível. Como também sabemos, o altissonante princípio moral “utilitarista” de “o maior bem para o maior número” reduziu-se a nada desde sua defesa por Bentham. O problema para nós é que, sem uma avaliação adequada da natureza da crise econômica e social de nossos dias – que já não pode ser negada pelos defensores da ordem capitalista, ainda que eles rejeitem a necessidade de uma mudança maior –, a probabilidade de sucesso a esse respeito é insignificante. O fim do “Welfare State”, mesmo no pequeno número de países privilegiados onde foi uma vez instituído, oferece uma lição que faz refletir sobre isso.

Vou começar citando um artigo recente dos editores do mais completo jornal da burguesia internacional, The Financial Times (“US budget impasse”, The Financial Times, 2 June 2011). Falando da perigosa crise financeira, reconhecida pelos próprios Editores como perigosa, eles terminam o artigo com estas palavras: “Ambos os lados [Democratas e Republicanos] são culpados por um vácuo de liderança e deliberação responsável. É uma grave falta de governo e mais perigosa do que Washington acredita ser”. Isso é tudo o que temos como sensatez editorial sobre a pertinente questão do “débito Soberano” e dos crescentes déficits econômicos. O que torna o editorial do Financial Times ainda mais vazio do que o vácuo de liderança deplorado pelo jornal é o sonoro subtítulo desse mesmo artigo: “Washington deve parar de fazer pose e começar a governar”. Como se editoriais como esse pudessem significar mais do que assumir determinada atitude em nome de “governar”; pois a grave questão em jogo é o débito catastrófico da “casa todo-poderosa” do capitalismo global, os Estados Unidos da América, onde tão só o débito do governo (ou seja, sem adicionar débito privado individual e Corporativo) já se conta bem acima de 14 trilhões de dólares, conforme projetado em grandes números iluminados na fachada de um prédio público de Nova Iorque, indicando a irresistível tendência de débito crescente.

* Esta tradução, a ser revista posteriormente, visa apenas a oferecer uma versão em português do texto base da conferência proferida por István Mészáros na abertura do II Encontro de São Lázaro, em 13 de junho de 2011 – data do aniversário de 70 anos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. [M.C.P.S.]


O ponto que eu desejo enfatizar é que a crise que temos de enfrentar é uma crise estrutural profunda e cada vez mais grave, que necessita da adoção de remédios estruturais abrangentes, a fim de alcançar uma solução sustentável. Deve-se também enfatizar que a crise estrutural de nosso tempo não se originou em 2007 com a “explosão da bolha habitacional dos Estados Unidos”, mas sim, pelo menos, quatro décadas antes. Eu falei sobre isso, nesses mesmos termos, nos idos de 1967 (em “As tarefas a nossa frente”), bem antes da explosão do maio de 1968 na França; e escrevi em 1971, no Prefácio da Terceira Edição da “Teoria da Alienação de Marx”, que os acontecimentos que então se desenrolavam “salientavam dramaticamente a intensificação da crise estrutural global do capital”.

A esse respeito, é necessário esclarecer as diferenças relevantes entre tipos ou modalidades de crise. Não é indiferente se uma crise na esfera social pode ser considerada uma crise periódica/conjuntural ou algo muito mais fundamental do que isso. Pois, obviamente, a maneira de lidar com uma crise estrutural fundamental não pode ser conceitualizada em termos das categorias de crise periódica ou conjuntural. A diferença crucial entre esses dois tipos de crise, acentuadamente contrastantes, é que a crise periódica ou conjuntural desdobra-se e é mais ou menos solucionada com sucesso dentro da estrutura estabelecida, enquanto a crise fundamental afeta a própria estrutura em sua totalidade.

Em termos gerais, essa distinção não é simplesmente uma questão acerca da aparente gravidade desses tipos contrastantes de crises. Uma crise periódica ou conjuntural pode ser dramaticamente severa, como o foi a “Grande Crise Econômica Mundial de 1929- 1933”, sendo contudo capaz de uma solução dentro dos parâmetros do sistema dado. E, do mesmo modo, mas no sentido oposto, o caráter “não-explosivo” de uma crise estrutural prolongada, em contraste com as “grandes tempestades” (nas palavras de Marx) através das quais crises conjunturais periódicas podem elas mesmas se liberar e solucionar, pode conduzir a estratégias fundamentalmente mal concebidas, como resultado da interpretação errônea da ausência de “tempestades”, como se tal ausência fosse uma evidência impressionante da estabilidade indefinida do “capitalismo organizado” e da “integração da classe operária”.

Deve-se enfatizar bem: a crise em nossos dias não é compreensível sem que seja referida à ampla estrutura social global. Isso significa que, a fim de esclarecer a natureza da persistente e cada vez mais grave crise em todo o mundo hoje, devemos focar a atenção na crise do sistema do capital em sua inteireza, pois a crise do capital que ora estamos experimentando é uma crise estrutural que tudo abrange.

Vejamos, pois, resumindo tanto quanto possível, as características que definem a crise estrutural que nos preocupa.

“A novidade histórica da crise de hoje torna-se manifesta em quatro aspectos principais:

1 – seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade, etc.);

2 – seu escopo é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises do passado);

3 – sua escala de tempo é extensa, contínua – se preferir, permanente – em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital;

4 – em contraste com as erupções e colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de desdobramento poderia ser chamado de gradual, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro; isto é, quando a complexa maquinaria agora ativamente engajada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua força...

[Neste ponto], faz-se necessário tecer algumas considerações gerais sobre os critérios de uma crise estrutural, bem como sobre as formas em que sua solução pode ser prevista.

Em termos mais simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social, em todas as suas relações com suas partes constituintes ou subcomplexas, assim como com outros complexos aos quais está vinculada. Ao contrário, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas partes do complexo em questão e, assim, não importando o quão grave ela possa ser no que se refere às partes afetadas, não pode pôr em risco a sobrevivência contínua da estrutura global. Consequentemente, o deslocamento das contradições só é possível enquanto a crise for parcial, relativa e internamente gerenciável pelo sistema, requerendo não mais do que alterações – ainda que importantes – dentro do próprio sistema relativamente autônomo. Justamente por isso, uma crise estrutural coloca em questão a própria existência do complexo global envolvido, postulando sua transcendência e substituição por algum complexo alternativo.

O mesmo contraste pode se manifestar em termos dos limites que qualquer complexo social específico possa ter em sua imediaticidade, em qualquer época, quando comparados àqueles para além dos quais não pode ir. Desse modo, uma crise estrutural não diz respeito aos limites imediatos, e sim aos limites últimos de uma estrutura global...” (Citação da Seção 18.2.1 de Beyond Capital.)

Desse modo, em um sentido bastante óbvio, nada poderia ser mais sério do que a crise estrutural do modo de reprodução sociometabólica do capital, que define os limites últimos da ordem estabelecida. Mas, embora profundamente séria em seus parâmetros gerais de grande importância, a julgar pela aparência, a crise estrutural pode não parecer de importância tão decisiva quando comparada às vicissitudes dramáticas de uma crise conjuntural maior. As “tempestades” através das quais as crises conjunturais se liberam são bastante paradoxais, no sentido de que, em seu modo de desdobramento, elas não apenas se liberam (e se impõem), mas também se solucionam, dadas as circunstâncias, até onde seja viável. Elas podem fazer isso precisamente por causa do seu caráter parcial, que não coloca em dúvida os limites máximos da estrutura global estabelecida. Ao mesmo tempo, entretanto, e pelo mesmo motivo, elas só podem solucionar os enraizados problemas estruturais subjacentes – que necessariamente se reafirmam repetidas vezes na forma de crise conjuntural específica – de um modo estritamente parcial e, temporariamente, de uma maneira mais limitada. E até que a próxima crise conjuntural apareça no horizonte da sociedade.

Em comparação, em vista da natureza inevitavelmente complexa e prolongada da crise estrutural, que se estende em tempo histórico no sentido de uma época e não de forma episódica, é a interrelação cumulativa do todo que decide a questão, mesmo sob a falsa aparência de “normalidade”. Isso ocorre porque, na crise estrutural, tudo está em jogo, envolvendo os abrangentes limites últimos da determinada ordem, da qual não pode haver um exemplo específico simbólico/paradigmático. Sem compreender as conexões e implicações sistêmicas globais dos acontecimentos e desenvolvimentos específicos, perdemos de vista as mudanças realmente significativas e as correspondentes alavancas de potencial intervenção estratégica para afetá-las positivamente, no interesse da transformação sistêmica necessária. Nossa responsabilidade social, portanto, requer uma consciência crítica determinada da interrelação cumulativa emergente, em vez de procurar garantias consoladoras no mundo de normalidade ilusória, até que a casa desabe sobre nossas cabeças.

É necessário enfatizar aqui que, por quase três décadas depois da segunda guerra mundial, a expansão econômica bem sucedida nos países capitalistas dominantes geraram a ilusão, até mesmo entre alguns intelectuais importantes de esquerda, de que a fase histórica de “capitalismo em crise” tinha sido superada, dando lugar para o que eles chamaram de “capitalismo organizado avançado”. Quero ilustrar este problema citando algumas passagens do trabalho de um dos maiores intelectuais militantes do século vinte, Jean-Paul Sartre, por quem, pelo que vocês bem sabem pelo meu livro sobre Sartre, tenho a mais elevada consideração. Entretanto, o fato é que a adoção da noção de que, superando o “capitalismo em crise” e convertendo-se em “capitalismo avançado”, a ordem estabelecida criou grandes dilemas para Sartre. Isso é ainda mais significativo porque ninguém pode negar a busca inteiramente comprometida de Sartre por uma solução emancipatória viável, nem sua grande integridade pessoal. Em relação ao nosso problema, temos que recordar que, na importante entrevista dada ao grupo Manifesto Italiano – depois de esboçar sua concepção das implicações insuperavelmente negativas de sua própria categoria explicativa da institucionalização inevitavelmente prejudicial do que ele chamava o “grupo em fusão”, em sua Crítica da Razão Dialética –, ele teve de chegar à penosa conclusão de que: “Enquanto reconheço a necessidade de uma organização, devo confessar que não vejo como os problemas que confrontam qualquer estrutura estabilizada possam ser resolvidos” (Entrevista publicada em The Socialist Register, 1970, p. 245).

Aqui a dificuldade reside em os termos da análise social de Sartre serem estabelecidos de tal modo que os vários fatores e correlações que na realidade fazem parte de um todo, constituindo diferentes facetas fundamentalmente do mesmo complexo societário, são descritos por ele na forma de dicotomias e oposições as mais problemáticas, gerando então dilemas insolúveis e uma derrota inevitável para as forças sociais emancipatórias. Isso está claramente demonstrado no diálogo entre o grupo Manifesto e Sartre.:

“Manifesto: em que bases precisas pode-se preparar uma alternativa revolucionária? Sartre: Repito, mais na base de “alienação” do que de “necessidades”. Em resumo, na reconstrução do individual e da liberdade – a necessidade dela é tão premente que até as técnicas de integração mais refinadas não podem permitir-se não levá-la em conta.

Assim, Sartre, em sua avaliação estratégica de como superar o caráter opressor da realidade capitalista, levanta uma oposição totalmente insustentável entre a “alienação” dos trabalhadores e suas “necessidades” supostamente satisfeitas, tornando, então, mais difícil de prever um desfecho positivo praticamente viável. E aqui o problema não reside simplesmente em ele dar credibilidade em excesso à explicação sociológica extremamente superficial, mas então em voga, das chamadas “técnicas refinadas de integração”, no que se refere aos trabalhadores. Infelizmente, é muito mais grave do que isso.

Na verdade, o problema realmente perturbador em jogo é a avaliação da viabilidade do próprio “capitalismo avançado” e o postulado associado de “integração” da classe trabalhadora, que Sartre compartilha na ocasião, em grande medida, com Herbert Marcuse. Na atualidade, a verdade da questão é que, ao contrário da integração indubitavelmente viável de alguns trabalhadores específicos na ordem capitalista, a classe operária – a antagonista estrutural do capital – representando a única alternativa hegemônica historicamente sustentável ao sistema do capital – não pode ser integrada à estrutura exploradora e alienante de reprodução societária do capital. O que torna isso impossível é o antagonismo estrutural subjacente entre capital e trabalho, que emana, com uma necessidade incontornável, da realidade de classe de dominação e subordinação antagônicas.

Nesse discurso, mesmo a plausibilidade mínima do tipo de alternativa falsa, à maneira de Marcuse/Sartre, entre alienação continuada e “necessidade satisfeita” é “estabelecida” com base na compartimentalização descarrilhante de interdeterminações estruturais globalmente arraigadas e suicidamente insustentáveis do capital – sobre a qual se baseia necessariamente a viabilidade sistêmica elementar da única ordem sociometabólica reinante do capital – na forma da separação extremamente problemática do “capitalismo avançado” das chamadas “zonas marginais” e do “terceiro mundo”. Como se a ordem reprodutiva do postulado “capitalismo avançado” pudesse se sustentar por qualquer período de tempo, e mesmo no futuro indefinidamente, sem a exploração existente das mal compreendidas “zonas marginais” e do “terceiro mundo” dominado pelo imperialismo.

Faz-se necessário citar aqui na íntegra a passagem relevante em que esses problemas são explicados detalhadamente por Sartre. O trecho em questão dessa esclarecedora entrevista é o seguinte:

“O capitalismo avançado, no que se refere à consciência de sua própria condição, e a despeito das enormes disparidades na distribuição de renda, consegue satisfazer as necessidades elementares da maioria da classe trabalhadora – permanecem, naturalmente, as zonas marginais, 15 por cento de trabalhadores nos Estados Unidos, os negros e os imigrantes; permanecem os idosos; permanece, em escala global, o terceiro mundo. Mas o capitalismo satisfaz a certas necessidades primárias e também satisfaz a certas necessidades que ele criou artificialmente: por exemplo, a necessidade de um carro. Foi essa situação que me levou a revisar minha “teoria das necessidades”, uma vez que essas necessidades não mais estão, em uma situação de capitalismo avançado, em oposição sistemática ao sistema. Ao contrário, tornam-se, parcialmente, sob o controle do sistema, um instrumento de integração do proletariado em certos processos produzidos e dirigidos pelo lucro. O trabalhador esgota-se para produzir um carro e para ganhar o suficiente para comprar um; essa aquisição lhe dá a impressão de ter satisfeito uma „necessidade‟. O sistema que o explora lhe estabelece ao mesmo tempo uma meta e a possibilidade de alcançá-la. A consciência do caráter intolerável do sistema não deve mais, portanto, ser buscada na impossibilidade de satisfazer necessidades elementares, mas, acima de tudo, na consciência da alienação – em outras palavras, no fato de que esta vida não vale a pena ser vivida e não tem sentido, que esse mecanismo é um mecanismo enganoso, que essas necessidades são artificialmente criadas, que elas são falsas, que elas são extenuantes e só servem ao lucro. Mas unir a classe com base nisto é ainda mais difícil.”

Se aceitarmos essa caracterização da ordem “capitalista avançada” ao pé da letra, nesse caso, a tarefa de produzir uma consciência emancipatória não é apenas “mais difícil”, mas quase impossível. Mas o fundamento duvidoso através do qual podemos chegar a uma conclusão apriorística, imperativa e tão pessimista – prescrevendo do alto dessa “nova teoria das necessidades” o abandono pelos trabalhadores de suas “necessidades artificiais aquisitivas”, exemplificadas pelo automóvel, e sua substituição pelo postulado completamente abstrato que coloca para eles que “esta vida não vale a pena ser vivida e não tem sentido” (um postulado nobre, mas antes abstrato e imperativo, e efetivamente negado, na realidade, pela evidente necessidade dos membros da classe trabalhadora de assegurar as condições de sua existência economicamente sustentável) – é tanto a aceitação de um conjunto de afirmações totalmente insustentáveis quanto a omissão igualmente insustentável de alguns traços vitais determinantes do sistema do capital realmente existente em sua crise estrutural historicamente irreversível.

Para começar, é extremamente problemático falar sobre “capitalismo avançado” – quando o sistema do capital como modo de reprodução sociometabólica encontra-se em sua fase declinante de desenvolvimento histórico e, portanto, é apenas capitalisticamente avançado, mas não em nenhum outro sentido, sendo, então, capaz de sustentar-se apenas de um modo ainda mais destrutivo e, portanto, em última análise, autodestrutivo. Outra afirmação: a caracterização da esmagadora maioria da humanidade – na categoria da pobreza, incluindo os “negros e os imigrantes”, os “idosos” e, em “escala global, o terceiro mundo” – como pertencentes às “zonas marginais” (em afinidade com os “excluídos” de Marcuse), não é menos insustentável. Na realidade, é o “mundo capitalista avançado” que constitui a margem privilegiada totalmente insustentável do sistema global de há muito tempo, com sua desumana “negativa elementar da necessidade” para a maior parte do mundo, e não o que é descrito por Sartre em sua entrevista ao Manifesto como as “zonas marginais”. Mesmo no que diz respeito aos Estados Unidos da América, a margem de pobreza é muito diminuída, como se fosse de meros 15 por cento. Além disso, a caracterização dos automóveis dos trabalhadores como nada mais do que simplesmente “necessidades artificiais”, que “apenas sevem ao lucro”, não poderia ser mais unilateral. Ao contrário de muitos intelectuais, nem mesmo aqueles trabalhadores relativamente ricos, sem falar nos membros da classe trabalhadora como um todo, têm o luxo de encontrar seu local de trabalho ao lado do seu quarto.

Ao mesmo tempo, ao lado das omissões espantosas, algumas das contradições e falhas estruturais mais graves estão faltando na descrição sartreana do “capitalismo avançado”, virtualmente esvaziando o significado de todo o conceito. Nesse sentido, uma das necessidades mais importantes sem a qual nenhuma sociedade – passada, presente ou futura – poderia sobreviver, é a necessidade de trabalho. Tanto pelos indivíduos produtivamente ativos – incluindo todos eles em uma ordem social completamente emancipada –, quanto pela sociedade em geral, em sua relação historicamente sustentável com a natureza. A necessária falha em solucionar esse problema estrutural fundamental, que afeta todas as categorias de trabalho, não apenas no “terceiro mundo”, mas até mesmo nos países mais privilegiados de “capitalismo avançado”, com seu desemprego perigosamente crescente, constitui um dos limites absolutos do sistema do capital em sua inteireza. Outro grave problema que enfatiza a inviabilidade histórica presente e futura do capital é sua mudança calamitosa em direção aos setores parasíticos da economia – como a especulação aventureira produtora de crise que incomoda (como uma questão de necessidade objetiva, frequentemente deturpada como irrelevante fracasso pessoal) o setor financeiro e a fraudulência institucionalizada, intimamente associada a ele – em contraposição aos ramos produtivos da vida socioeconômica requeridos para a satisfação da genuína necessidade humana. Essa é uma mudança que se ergue em nítido contraste ameaçador com a fase crescente de desenvolvimento histórico do capital, quando o prodigioso dinamismo expansionista sistêmico (inclusive a revolução industrial) devia-se predominantemente às realizações produtivas socialmente viáveis e mais intensificáveis. Temos de acrescentar a tudo isso cargas econômicas maciçamente desperdiçadoras impostas à sociedade de maneira autoritária pelo estado e pelo complexo militar/industrial – com a indústria de armas permanente e as guerras correspondentes –, como parte integral do perverso “crescimento econômico” do “capitalismo organizado avançado”. E para mencionar apenas mais uma das implicações catastróficas do desenvolvimento sistêmico do capital “avançado”, devemos ter em mente a transgressão ecológica global proibitivamente devastadora do nosso modo de reprodução sociometabólica não mais sustentável no mundo planetário finito, com a exploração voraz dos recursos materiais não renováveis e a destruição cada vez mais perigosa da natureza. Dizer isso não é “ser prudente depois do acontecimento”. Na mesma ocasião em que Sartre deu a entrevista ao Manifesto, eu escrevi que “Outra contradição básica do sistema capitalista de controle é que ele não pode separar „avanço‟ de destruição, nem „progresso‟ de desperdício – por mais catastróficos que sejam os resultados. Quanto mais destrava a força de produtividade, mais ele desencadeia o poder de destruição; e quanto mais amplia o volume de produção, mais deve enterrar tudo sob montanhas de lixo sufocante. O conceito de economia é radicalmente incompatível com a „economia‟ de produção de capital, que, por necessidade, piora ainda mais as coisas, primeiro esgotando com desperdício voraz os recursos limitados de nosso planeta, e então agrava ainda mais o resultado poluindo e envenenando o meio-ambiente humano com seus resíduos e efluentes produzidos em massa” (Isaac Deutscher Memorial Lecture, The Necessity of Social Control, delivered at the London School of Economics on January 26, 1971.).

Desse modo, as afirmações problemáticas e as omissões de importância seminal da caracterização de Sartre do “capitalismo avançado” muito enfraquecem o poder de negação do seu discurso libertário. Seu princípio dicotômico que repetidamente defende a “irredutibilidade da ordem cultural à ordem natural” está sempre à procura de soluções em termos da “ordem cultural”, no nível da consciência dos indivíduos, através do trabalho de “consciência sobre consciência” do intelectual comprometido. Ele recorre à ideia de que a solução exigida estaria em aumentar a “consciência de alienação” – isto é, em termos de sua “ordem cultural” –, ao mesmo tempo descartando a viabilidade de basear a estratégia revolucionária em necessidade pertencente à “ordem natural”. Necessidade material, isto é, a que se diz já atender à maioria dos trabalhadores, e de qualquer forma constituindo um “mecanismo falso e enganoso” e um “instrumento de integração do proletariado”.

Para estar seguro, Sartre envolve-se profundamente com o desafio de voltar-se para a questão de como aumentar “a consciência do caráter intolerável do sistema”. Mas, como assunto de consideração inevitável, a própria influência indicada como condição vital de sucesso – o poder da “consciência da alienação” enfatizado por Sartre – precisaria ela mesma de algum amparo objetivo. Caso contrário, além da fraqueza de circularidade autoreferencial da influência indicada, a natureza imperativa de suas palavras “pode prevalecer contra o caráter intolerável do sistema” permanece predominante como uma advocacia cultural nobre, mas ineficaz. Isso é deveras problemático até mesmo nos próprios termos de referência de Sartre, quando, em suas palavras bastante pessimistas, a necessidade é de derrotar a realidade tanto material e culturalmente destrutiva, quanto estruturalmente entrincheirada “deste miserável conjunto que é nosso planeta”, com suas “determinações horríveis, feias e ruins, sem esperança”.

Assim, a questão primária diz respeito à demonstrabilidade ou não do caráter objetivamente intolerável do próprio sistema. Pois, se a intolerabilidade demonstrável do sistema falta em termos substantivos, como proclamado pela noção de habilidade do “capitalismo avançado” para satisfazer as necessidades materiais exceto nas “zonas marginais”, o “longo e paciente trabalho na construção da consciência” advogado por Sartre permanece quase impossível. É esse conhecimento básico objetivo que precisa ser (e, na verdade, pode ser) estabelecido em seus próprios termos abrangentes de referência, requerendo a desmistificação radical da crescente destrutividade do “capitalismo avançado”. De modo a ser capaz de superar a dicotomia postulada entre a ordem cultural e a ordem natural, a “consciência do caráter intolerável do sistema” só pode ser construída nessa base objetiva – que inclui o sofrimento causado pelo fracasso do capital “avançado” em satisfazer até mesmo as necessidades elementares de alimentação, não nas “zonas marginais”, mas para incontáveis milhões, como claramente evidenciado nos motins por comida em muitos países.

Em sua fase ascendente, o sistema do capital afirmava com êxito suas realizações produtivas com base em seu dinamismo expansionista interno, até agora sem o imperativo de um esforço monopolista/imperialista dos países capitalisticamente mais avançados para a dominação mundial militarmente assegurada. Contudo, pela circunstância historicamente irreversível de entrar na fase produtivamente descendente, o sistema do capital tornara-se inseparável de uma necessidade de aumento constante de expansão militarista/monopolista e ampliação de sua base estrutural, cuidando no tempo devido do plano produtivo interno para o estabelecimento e a operação criminosamente destrutiva/devastadora de uma “indústria de armas permanente”, juntamente com as guerras necessariamente a ela associadas.

De fato, bem antes da deflagração da primeira guerra mundial, Rosa Luxemburg claramente identificou a natureza deste desenvolvimento monopolista/imperialista no plano destrutivamente produtivo, escrevendo em seu livro A Acumulação do Capital sobre o papel da produção militarista massiva que:

“O próprio capital, no fundo, controla este movimento automático e rítmico de produção militarista através da legislatura e da imprensa, cuja função é moldar a chamada “opinião pública”. É por isso que esse ramo específico de acumulação capitalista parece, a princípio, capaz de expansão infinita.”

A outro respeito, o crescente esbanjamento de energia e recursos estratégicos de material vital trouxe consigo não apenas a sempre mais destrutiva articulação das autoassertivas determinações estruturais do capital no plano militar (pela “opinião pública” legislativamente manipulada e nunca sequer indagada, quanto mais propriamente regulada), mas também no que se refere à crescente invasão destrutiva na natureza pela expansão do capital. Ironicamente, mas de modo algum surpreendentemente, essa volta do desenvolvimento histórico regressivo do sistema do capital enquanto tal também trouxe algumas consequências amargamente negativas para a organização internacional do trabalho.

Na verdade, essa nova articulação do sistema do capital no último terço do século dezenove, com sua fase imperialista monopolista inseparável de sua ascendência global plenamente ampliada, abriu uma nova modalidade de dinamismo expansionsta (muito antagônico e fundamentalmente insustentável) com o esmagador benefício a apenas alguns países imperialistas privilegiados, adiando desse modo o “momento da verdade” que acompanha a crise estrutural irreprimível de nosso próprio tempo. Esse tipo de desenvolvimento imperialista monopolista deu um impulso importante para a possibilidade de expansão do capital e acumulação militaristas, qualquer que fosse o preço a ser pago em seu devido tempo pela destrutividade cada vez mais intensa desse novo dinamismo expansionista. Na verdade, o dinamismo monopolista militarmente embasado teve até mesmo de assumir a forma duas devastadoras guerras mundiais, bem como da aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial terceira guerra mundial, além da perigosa destruição atual da natureza que se tornou evidente na segunda metade do século vinte.

Em nossos dias, estamos experimentando a aprofundada crise estrutural do sistema de capital. Sua destrutividade é visível em toda parte, e não dá sinais de diminuição. Em relação ao futuro, é crucial saber como conceituar a natureza da crise a fim de prever sua solução. Pelo mesmo motivo, faz-se também necessário reexaminar algumas das principais soluções pensadas no passado. Aqui não é possível fazer mais do que mencionar, com concisão estenográfica, as abordagens contrastantes que foram oferecidas, indicando ao mesmo tempo o que de fato lhes aconteceu.

Primeiro, temos de lembrar que foi mérito do filósofo liberal John Stuart Mill tecer considerações sobre quanto seria problemático o interminável crescimento capitalista, sugerindo como solução para esse problema “o estado estacionário da economia”. Naturalmente, tal estado estacionário, sob a égide do sistema de capital, não passaria de uma ilusão, porque é inteiramente incompatível com o imperativo de expansão do capital e acumulação. Até mesmo hoje, quando tamanha destruição é causada pelo crescimento inadequado e pela mais esbanjadora distribuição de nossa energia vital e recursos materiais estratégicos, a mitologia do crescimento é constantemente reafirmada, sendo associada ao plano especioso de “reduzir nossa marca de carbono” até o ano 2050, quando na realidade está se movendo na direção oposta. Assim, a realidade do liberalismo veio a ser a agressiva destrutividade do neoliberalismo.

Sorte semelhante afetou a perspectiva social democrata. Marx formulou claramente suas advertências sobre este perigo em sua Crítica do Programa de Gotha, mas elas foram totalmente ignoradas. Aqui, também, a contradição entre o prometido “socialismo evolutivo” bernsteiniano e a sua realização em toda parte tornou-se flagrante. Não apenas em virtude da capitulação dos partidos sociais democratas e dos governos ao engodo das guerras imperialistas, mas também pela transformação da social democracia em geral – inclusive o “New Labour” britânico – em versões mais ou menos abertas do neoliberalismo, abandonando não apenas a “estrada do socialismo evolutivo”, mas até mesmo a outrora prometida implementação de reforma social significativa.

Além disso, uma solução muito alardeada para as repulsivas desigualdades do sistema do capital foi a prometida difusão no mundo inteiro do “Welfare State”, após a segunda guerra mundial. Entretanto, a realidade prosaica dessa pretensa conquista histórica tornou-se não apenas fracasso absoluto na instituição do Welfare State em qualquer parte do chamado “Terceiro Mundo”, mas ainda liquidação atual das relativas conquistas do Welfare State – na esfera da segurança social, serviço de saúde e educação –, mesmo no pequeno rol de países capitalistas privilegiados em que elas foram instituídas.

E, é claro, não podemos desconsiderar a promessa de realizar a fase mais elevada do socialismo (por Stalin e outros) através da derrota e abolição do capitalismo. Tragicamente, sete décadas depois da Revolução de Outubro, a realidade converteu-se na restauração do capitalismo de uma forma neoliberal regressiva nos países da antiga União Soviética e do leste europeu.

O denominador comum de todas essas tentativas fracassadas – a despeito de suas diferenças principais – é que todas elas tentaram atingir seus objetivos dentro da base estrutural da ordem sociometabólica estabelecida. Entretanto, como penosas experiências históricas nos ensinam, nosso problema não é simplesmente “a derrota do capitalismo”. Mesmo à medida que esse objetivo possa ser atingido, com certeza será apenas uma realização instável, porque tudo o que pode ser destruído pode também ser restaurado. A verdadeira – e muito mais difícil – questão é a necessidade de mudança estrutural radical.

O sentido palpável de tal mudança estrutural é a completa erradicação do próprio capital do processo sociometabólico. Em outras palavras, a erradicação do capital do processo metabólico da reprodução societária.

O capital em si mesmo é um modo geral de controle; o que significa que ele ou controla tudo ou implode como um sistema de controle reprodutivo da sociedade. Consequentemente, o capital enquanto tal não pode ser controlado em alguns de seus aspectos enquanto deixa os demais no lugar. Todas as tentativas de medidas e modalidades para “controlar” as várias funções do capital em uma base duradoura falharam no passado. Tendo em vista sua incontrolabilidade estruturalmente arraigada – o que significa que não há poder concebível dentro da base estrutural do próprio sistema do capital por meio do qual o próprio sistema possa ser submetido a um controle duradouro. O capital deve ser completamente erradicado. Este é o significado central do trabalho de toda a vida de Marx.

Em nossos dias, a questão do controle – por meio da instituição de mudança estrutural em resposta ao aprofundamento de nossa crise estrutural – está se tornando urgente não apenas no setor financeiro, devido ao desperdício de trilhões de dólares, mas em todo lugar. As principais revistas financeiras capitalistas queixam-se de que a “China está sentada em três trilhões de dinheiro em caixa”, idealizando mais uma vez soluções para “o melhor uso daquele dinheiro”. Mas a verdade que faz pensar seriamente é que o agravante débito total do capitalismo chega a dez vezes mais do que o montante dos dólares não utilizados da China. Além disso, ainda que o imenso débito atual pudesse ser, de algum modo, eliminado, embora ninguém saiba dizer como, a verdadeira pergunta permaneceria: como foi gerado, em primeiro lugar, e como se pode assegurar que não será novamente gerado no futuro? É por isso que a dimensão produtiva do sistema – a saber, a própria relação do capital – é que deve ser fundamentalmente mudada a fim de superar a crise estrutural através da mudança estrutural adequada.

A dramática crise financeira que experimentamos nos últimos três anos é apenas um aspecto da trifurcada destrutibilidade do sistema de capital.

(1) na esfera militar, com as intermináveis guerras do capital desde o começo do imperialismo monopolista nas décadas finais do século dezenove, e suas mais devastadoras armas de destruição em massa nos últimos sessenta anos;

(2) a intensificação, através do óbvio impacto destrutivo do capital na ecologia, afetando diretamente e já colocando em risco o fundamento natural elementar da própria existência humana, e

(3) no domínio da produção material e do desperdício cada vez maior, devido ao avanço da “produção destrutiva”, em lugar da outrora louvada “destruição criativa” ou “produtiva”.

Esses são os graves problemas sistêmicos de nossa crise estrutural que só podem ser solucionados por uma completa mudança estrutural.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Perguntas de um trabalhador que lê (Bertold Brecht)

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo
na lendária Atlântida
os que se afogavam gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada
naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O furor privatista



Nada houve de mais escandaloso na história econômica do Brasil que a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional. Ela foi entregue, num leilão eivado de irregularidades, a um bando de banqueiros por um preço menor que o aço que tinha em estoque e as dívidas por receber. Criada juntamente com a Companhia Vale do Rio Doce, elas nos custaram uma guerra, pois a sua construção foi a condição imposta por Getúlio Vargas para o apoio do Brasil aos Aliados na Segunda Guerra Mundial¹.

Roosevelt cumpriu sua parte, fazendo construir a siderúrgica nos anos de guerra para que fosse inaugurada em 1945. Volta Redonda representou para o Brasil o papel de matriz da industrialização nacional. Assim o foi, apesar da espoliação que sofreu pelo espírito privatista dos que a regeram nos anos da ditadura militar, fazendo-a operar com preços negativos para servir à corrupção de revendedores de seus produtos e para subsidiar a indústria automobilística e a indústria naval.

A Vale, que devolveu ao Brasil o domínio do minério de ferro de Minas Gerais, controlado até então pelos ingleses, cresceu como a maior das empresas mundiais de seu ramo, com um patrimônio superior a 30 bilhões de dólares. Possui, hoje, dois sistemas completos e integrados de mineração-ferroviária-porto, o das jazidas do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais e o do complexo de Carajás-Itaqui, que explora a maior jazida de minério de ferro do mundo. Tem, ainda, um sistema próprio de navegação, atua no setor de celulose, conta com uma empresa própria exclusivamente dedicada à pesquisa mineralógica. Participa, também, com outros grupos empresariais nacionais e estrangeiros, em diversas atividades minerais e industriais, destacando-se o manganês, o titânio, o ouro, a bauxita, a alumina e o alumínio. O valor de suas reservas minerais, que já estão sendo exploradas, é superior a 500 bilhões de dólares, seu volume total alcançará o dobro.

Os tecnocratas que ditam a política econômica estão assanhadíssimos, agora, para levar a cabo outra espoliação. Querem privatizar a Companhia Vale do Rio Doce, cujo capital já sofreu uma sangria através de uma manobra de conversão de debêntures em ações votantes que entregou ao setor privado 47% de seu capital. Com a venda de uns 10% mais, o aventureirismo privado dominaria a Vale, apropriando-se da empresa e de suas jazidas de minérios metálicos, cujo valor acerca-se a um trilhão de dólares.

O escândalo dessas dações pode ser medido por um simples balanço da renda que se auferiu das privatizações já realizadas. As operações de privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, da Usiminas, da Mafersa, da Usipa e de outras empresas renderam nominalmente 5,2 bilhões de dólares, que custaram efetivamente aos arrematadores a insignificância de 62,4 milhões de dólares, ou 1,2%, porque as pagaram em moedas podres.

Outra empresa cobiçadíssima é a Petrobrás. Ela custou ao Tesouro Nacional 10 bilhões de dólares, dos quais 4 bilhões a ele reverteram. O volume reconhecido, hoje, do seu patrimônio é de 50 bilhões de dólares e o valor de suas reservas de petróleo e de gás é superior a 180 bilhões de dólares. Seu funcionamento como empresa monopolista rendeu ao país uma economia de outros 180 bilhões de dólares, que teríamos pago a mais pelo petróleo que consumimos nessas décadas.

A Eletrobrás, criada em 1954 para libertar o Brasil da infecundidade das empresas privadas, incapazes de gerar a energia requerida para o desenvolvimento do país, tem hoje o patrimônio reconhecido no valor de 100 bilhões de dólares e atende a 75% da população brasileira, com tarifas mais baixas do que a taxa mundial. Seu potencial energético cresceu mais de dez vezes desde que foi criada. Propala-se que os Chicago boys querem arrematá-la por 20% do seu valor, advertindo, eles próprios, que os arrematadores não assumirão nenhum compromisso de construir as novas hidrelétricas de que o país necessita. O Tesouro assumiria o encargo de construí-las, certamente para as entregar, depois, aos buscadores de lucros fáceis.

A Embratel, criada em 1962, foi reestruturada em 1972 para reger o monopólio nacional das telecomunicações. Seu patrimônio, compreendendo os órgãos centrais e as telefônicas dos Estados, é da ordem de 80 bilhões de dólares. O imenso valor de seu monopólio comercial é incalculável. Esse futuro da empresa, muito mais que suas instalações, é o que se quer desapropriar porque ele é tido como um dos maiores negócios que hoje se oferecem em todo o mundo.

O valor patrimonial das empresas citadas é superior a 250 bilhões de dólares e o valor de suas reservas minerais supera um trilhão de dólares. Esses números correspondem a dezenas de vezes mais que todas as inversões de capital estrangeiro no Brasil. Estes fatos demonstram numericamente o tamanho da espoliação que a política da privatização nos propõe. Se chegarem a realizá-la, terão cometido um crime de lesa-pátria, tanto ou mais grave que os dois outros crimes históricos de nossas elites infiéis. O crime de prorrogar a escravidão por meio século mais, depois dela se tornar obsoleta em todo o mundo. E o crime de condenar milhões de lavradores brasileiros a viverem vidas miseráveis e famélicas, por não se consentir nunca que se realizasse aqui a reforma agrária.

Texto extraído do livro intitulado “O Brasil como problema”, do professor Darcy
Ribeiro

¹ Grifos meus

Após esta leitura, se você ainda se posiciona favorável a privatização, leia outras coisas...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

PEMP - Pré-Ensino Médio Popular - Inscrições abertas




Inscrições: dias 02 e 03; 16, 17 e 18/03, das 10 às 14h no IFHEP e até o dia 17/03 pelo site: www.ifhep.org

CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PEMP

QUEM SOMOS

O projeto PEMP - Pré-ensino Médio Popular é um curso preparatório para os exames de ingresso às escolas públicas de Ensino Técnico ou Regular tais como CTUR, FAETEC, CEFET, CEFETEQ, Pedro II, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, CAp UFRJ, entre outros. O PEMP destina-se aos alunos e alunas que cursam o 9º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas do Rio de Janeiro.
O curso oferece disciplinas básicas que visam o ingresso dos(as) educandos(as) nas escolas supracitadas, tais como Matemática, Português, Física, Química, Biologia, História e Geografia. Oferece também a disciplina Cultura e Cidadania que tem por objetivo a formação cidadã dos educandos e educandas, e o Momento Interdisciplinar que consiste em uma aula que pretende demonstrar como os conhecimentos desenvolvidos em sala de aula são, necessariamente, integrados uns aos outros e como estão inseridos na realidade dos(as) educando(as).
As aulas deste projeto são pensadas, invariavelmente, a partir dos preceitos da Educação Popular que visa promover uma educação libertária, desmistificadora e conscientizadora do papel social de cada indivíduo.



NOSSA HISTÓRIA

O curso PEMP teve início no ano de 2006, funcionando no CAMPO – Centro de Apoio ao Movimento Popular localizado em Campo Grande. Nos três seguintes anos funcionou na FEUC – Fundação Educacional Unificada Campograndense. A partir do ano de 2010 o curso tem seu espaço estabelecido no IFHEP – Instituto de Formação Humana e Educação Popular, localizado também em Campo Grande.



OBJETIVOS GERAIS

O curso PEMP tem dois objetivos fundamentais: aprovar os(as) educandos(as) nos exames de ingresso das Escolas Públicas de Ensino Regular e Técnico, e contribuir para a formação humana dos(as) mesmos(as).
Constatando a crescente desigualdade social existente em nosso país, claramente presente na educação, percebemos a necessidade de criar uma alternativa para que jovens de baixa renda tenham uma preparação auxiliar que ajude na formação escolar e humana. Entendemos que o ingresso de educandos(as) oriundos(as) das classes populares nestas escolas, é fundamental e necessário porque somente tais escolas possuem um ensino gratuito de qualidade. Assim, visamos também, a longo prazo, o ingresso destes mesmos(as) educandos(as) nas Universidades Públicas.
A formação humana dos(as) educandos(as) consiste no desenvolvimento de uma consciência crítica ante a realidade desigual na qual estamos inseridos; na valorização das escolas como um espaço de construção do conhecimento como base de questionamentos; no incentivo a reflexões que permitam que os(as) educandos(as) reconheçam a importância de sua participação como agentes na transformação da realidade em que estão inseridos; na promoção de uma cultura de paz que vise à valorização do ser humano e no estímulo à construção de uma ética diferenciada que não admita espaços para desigualdades sociais, preconceitos religiosos, raciais, sexuais, culturais, etc.



METODOLOGIA

• Aulas expositivas que relacionam o conteúdo das disciplinas básicas com o cotidiano dos(as) educandos(as);
• Debates e dinâmicas com incentivo a reflexão;
• Utilização de ferramentas estéticas – músicas, vídeos, imagens, etc.;
• Utilização de exercícios presentes nos exames anteriores de acesso as escolas públicas de Ensino Regular e Técnico.



HORÁRIO E LOCAL

O curso PEMP acontece aos sábados, de 9h às 16h, (com intervalo para lanche de 12h às 13h) no IFHEP que localiza-se na rua Henri Dunant, nº156, Vila São João – Campo Grande, Rio de Janeiro.



CAPACIDADE DE ATENDIMENTO

• Em torno de 40 jovens.



RECURSOS

Dispomos de sala de aula e recursos multimídia.



COMPOSIÇÃO

O PEMP é composto por educadores(as) e coordenadores(as) oriundos de pré-vestibulares populares, graduandos(as) de universidades públicas ou privadas e pessoas vindas de outros espaços de valorização à vida. Todos(as) trabalham voluntariamente recebendo apenas o necessário para deslocar-se até o espaço.



DURAÇÃO

Março à Dezembro.



MENSALIDADE

Necessitamos de uma contribuição mensal no valor de R$ 20,00, unicamente para ser possível a manutenção do projeto, visto que este não almeja lucros financeiros. Invariavelmente oferecemos bolsas (totais ou parciais) àqueles(as) que não possuem condições de custear este valor.



PROCESSO SELETIVO

O processo seletivo é composto por inscrição, entrevista sócio-econômica e dinâmica.



CONTATO

Site: www.ifhep.org
E-mail: contato@ifhep.org
Telefone: (21) 3405-6679.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O golpe das privatizações



A segunda questão crucial que desafia o Brasil – a política de privatização das empresas estatais – só aparentemente é de caráter interno. Na realidade das coisas, trata-se de uma exigência externa, dos países ricos, que nos querem impor imperativamente, como política econômica de salvação nacional, uma orientação dos interesses deles, que só agravará nossa precaríssima situação.
O espantoso é que essa política externa vem se tornando uma força interna pela manipulação da opinião pública pela mídia, que difunde as mentiras mais deslavadas como se fossem verdades incontestáveis.
Não é verdade que as privatizações programadas permitam realizar novos investimentos estrangeiros. Se se quer trocar bens palpáveis e vultosos pelos papéis da dívida agrária, ou, pior ainda, por parcelas artificialmente valorizadas da dívida externa, o que se processa não é o fortalecimento de nossa economia. É, isto sim, uma operação de recolonização e de avassalamento pela entrega do comando de setores fundamentais a mãos estrangeiras ou nativas, só preocupadas em otimizar seus lucros.
Não é verdade que por aí existam, perseguidos e discriminados, empresários shumpeterianos nativos, em cujas mãos as empresas públicas floresceriam. Menos verdade, ainda, é a ilusão de que o corpo de gerentes das empresas estrangeiras seria mais capaz de atender aos interesses do povo brasileiro. Esta afirmação falsa seria uma ingenuidade palmar, se não fosse, ao contrário, descaradamente sagaz e treteira.
Não é verdade que pelo caminho das privatizações reduziríamos a nossa dívida externa, porque se isso se der será em proporção insignificante e através de negociatas de receber, com o valor de cem por cento, títulos negociáveis em Wall Street por vinte e cinco por cento. Uma roubalheira que não nos traria um só dólar novo, não criaria um só emprego novo, mas nos empobreceria substancialmente, subtraindo enorme patrimônio estratégico construído nos últimos cinqüenta anos.
Não é verdade, também, que, por esta via, alcancemos o domínio da tecnologia industrial moderna. As empresas nacionais, que se quer alienar, são das mais eficazes em seu campo de ação. Em todo o mundo, as grandes empresas tratam a tecnologia que dominam como seu bem mais precioso e tudo fazem para monopolizá-la. Seu segundo bem operativo é a mão-de-obra especializada que movimenta as suas empresas, cuja preparação e atualização é por vezes seu principal investimento. Também para nós a tecnologia de ponta, dominada pelas empresas públicas, bem como a força de trabalho especializada com que contam, são bens preciosos, cuja alienação só se compreenderia se pagassem por eles seu valor de reposição.
Não é verdade que o Estado deve retirar-se da atividade econômica para dedicar-se às suas funções mais básicas – educação, saneamento, construção de estradas etc. Todos sabem que, antes do advento das estatais, o Estado brasileiro não era mais eficiente do que é hoje no desempenho dessas funções. A infra-estrutura industrial brasileira foi reforçada pela intervenção estatal justamente para que se criassem excedentes que permitissem a melhoria das condições sociais. E os excedentes estão aí, na forma do lucro gerado pela Vale, pela Petrobrás, pela Eletrobrás e pela Telebrás. Perdem-se por incompetência dos governantes.
Não é verdade que esta entrega elevaria a eficiência produtiva das empresas, mercê de uma gerência mais criativa e competente. Não é assim. A Petrobrás é uma das empresas mais eficazes do mundo e seu desempenho no Brasil é infinitamente melhor para nós que o das empresas petroleiras, nacionais e estrangeiras, que aí existem.
O mesmo se pode dizer da Companhia Vale do Rio Doce, que é também das principais do mundo, em seu campo. Incomparavelmente melhor que a Hanna Corporation, por exemplo. Esta última teve avaliado o seu desempenho de forma irretorquível, ao receber da ditadura, como dádiva de reconhecimento de seus méritos de financiadora do golpe militar de 1964, nada menos do que a Rede Ferroviária Federal – que lhe custaria quatro bilhões de dólares se tivesse que ser construída. Ela, e seu disfarce nacional, a utilizam, desde então, para o transporte de minério com custos subsidiados pelo Brasil. De sua próspera ação econômica só nos ficarão os buracos dos lugares de suas jazidas e o sucateamento da rede.
É de recordar que os privilégios dados à Hanna pela ditadura representaram uma reviravolta na política econômica do governo João Goulart. Fundada no Plano Eliezer, ela destinava todos os recursos provenientes da exportação de minério de ferro à construção de novas siderúrgicas. Nossa meta era fazer do Brasil um grande exportador de aço.


Texto extraído do livro intitulado “O Brasil como problema”, do professor Darcy
Ribeiro

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Desnacionalização da economia brasileira - III


Adriano Benayon

Nos artigos I e II, resumi as origens e os mecanismos da desnacionalização e como ela é feita com recursos gerados localmente: o Brasil paga para que os brasileiros não sejam proprietários dos meios de produção em seu próprio País. Parece que a aspiração máxima da maioria dos quadros dirigentes e dos empresários é serem gerentes a serviço de patrões estrangeiros. Abordamos agora mais alguns setores emblemáticos.

Agronegócio

2 Embora antiga, a presença de transnacionais na economia rural e na agroindústria era minoritária, mas isso se vem modificando celeremente sob o intenso entreguismo dos últimos vinte anos.

3 Empresas estrangeiras adquirem, em ritmo crescente, explorações agrícolas e pecuárias. Ocupam, cada vez mais, também indústrias relacionadas com essas atividades, como ilustra a aquisição pela AGCO, da SFIL, fabricante de plantadeiras e de plataformas para colheitadeiras do Rio Grande do Sul. A AGCO, proprietária das marcas Massey Ferguson e Valtra, já tinha fábricas de tratores no País. Até mesmo a área de serviços relacionados vai sendo ocupada, de que é exemplo a compra da FISPAL pela Brazil Trade Show Partners, a qual se tornou a principal organizadora de feiras de alimentos e bebidas.

4 A Precious Woods, suíça, adquiriu 387 mil hectares de terra na Amazônia. O sueco Johan Eliasc, presidente da inglesa Head, comprou 160 mil hectares de floresta na Amazônia. O fundo americano Colpers tem 23 mil hectares em Santa Catarina e no Paraná. A Igreja Unificada, do reverendo Moon, tem 46 propriedades em MS, estando as fazendas em nome da Associação das Famílias pela Paz Mundial.

5 De há muito cresce a aquisição de terras por estrangeiros, não só as próximas aos centros de consumo, mas também as da Amazônia e de outras áreas em que elas são alienadas em operações envolvendo milhões de hectares de uma só vez. Ultimamente tem circulado mais alertas, talvez por causa da entrada de empresas chinesas nessa invasão, algo que certamente desagrada ao império mundial.

6 Não aprofundo aqui a questão das tradings estrangeiras que controlam o comércio das commodities exportadas do Brasil, porque isso, além de antigo, alongaria demais o texto. Destaque-se a soja, cuja predominância mostra claramente ser a estrutura agrária basicamente voltada para os interesses externos.

7 A soja ocupa mais de 40% do total das terras atualmente exploradas no País, destinando-se a exportar principalmente o farelo, ração para animais no exterior, dentro do esquema de desgastar as terras brasileiras a fim de assegurar alimentação barata nos países industrializados. Ainda nesse contexto, o Brasil exporta enormes quantidades de frangos e de suínos para a Europa, Japão, China e Oriente Médio (só frangos neste caso), poluindo de forma massiva os rios de Santa Catarina e de outros estados. Mais adiante, trato da Sadia e da Perdigão, os principais exportadores, agora também sob controle de uma transnacional.

8 Para que britânicos e outros comam seus bifes (palavra derivada do inglês) ensanguentados, as terras brasileiras são utilizadas do modo menos produtivo possível, a pecuária extensiva, a qual ocupa área igual a cinco vezes a usada na agricultura.

9 A dominância da soja no agronegócio contribui também para que se dê preferência ao óleo dela para uso combustível, em lugar de plantas como a copaíba, com rendimento oito vezes melhor, e o dendê, doze vezes melhor.

10 Nas cervejas, houve a fusão da companhia de bebidas “belgo-brasileira” InBev, que havia absorvido as tradicionais Brahma e Antártica, com a norte-americana Anheuser-Busch, dona da marca Budweiser. Logo depois, em 2009, fundiram-se a Sadia e a Perdigão, já sob controle da transnacional BRF-Brasil Foods.

11 Essas operações foram, em grande parte, financiadas, incrivelmente, pelo BNDES (Banco Nacional [???] de Desenvolvimento Econômico e Social), que emprestou R$ 710 milhões à cervejeira transnacional e cerca de R$ 1,1 bilhão à BRF-Brasil Foods, contando os recursos colocados na Perdigão e Sadia em 2008 e 2009.

12 No ramo dos venenos chamados refrigerantes, de há muito se consolidou o virtual monopólio da Coca-Cola, engordado por numerosas aquisições de fabricantes locais. A mesma transnacional controla grande parte da água mineral engarrafada, negócio rendoso e danoso para a saúde pública, pois a vende desmineralizada. Aí pontifica também o polvo Nestlé, sediado na Suíça, destruidor, entre outras coisas, das reservas das águas de São Lourenço, e também dominante, há decênios, mundialmente no nocivo leite de vaca em pó, além de ser um dos cabeças do oligopólio estrangeiro dos iogurtes e outros laticínios.

13 Embora seja difícil de conceber algo ainda mais desastroso, isso existe. São as sementes transgênicas, monopolizadas por transnacionais, como a Monsanto e a Syngenta. Elas contaminam as áreas vizinhas, inviabilizando a reprodução das plantas e até eliminando as abelhas. Com trânsito livre dos governos, inclusive o de Lula, elas têm licença para destruir a agricultura brasileira, acabar com a segurança alimentar e envenenar os brasileiros com o glifosato e outros agrotóxicos.

14 Denotativo das consequências políticas intoleráveis que advêm do domínio das transnacionais na economia, é ter sido o avanço das sementes transgênicas apoiado pelo governo federal e por todos os governos estaduais, à exceção de um, o do Paraná. Que o governador Requião não tenha elegido seu sucessor apenas confirma que o presente sistema político é irrecuperável.

15 Em 2009, formou-se a FIBRIA, resultado da fusão da Aracruz Celulose, ex-estatal privatizada em favor de firmas estrangeiras, com a Votorantim Celulose e Papel. A Citrosuco, do grupo Fischer, e a Citrovita, da Votorantim, também se uniram, tornando-se o maior produtor mundial de suco de laranja. Tem seis fábricas em São Paulo e uma nos EUA, dois terminais portuários no Brasil, seis no exterior e 64 mil hectares de pomares de laranja, com 50% da produção brasileira.

16 Os maiores grupos ainda considerados brasileiros têm-se internacionalizado de tal maneira, e recebido tal quantidade de capitais estrangeiros, que não será surpresa, a exemplo dos casos acima citados, se passarem a ser controlados por esses capitais. Entre esses, a portentosa ex-estatal Vale Rio Doce, a Odebrecht, Votorantim, Friboi, os quais têm captado dezenas de bilhões de dólares, inclusive de fundos de investimentos estrangeiros.

17 Durante a primeira etapa do colapso financeiro e econômico mundial em andamento, a crise de 2007/2008, as próprias grandes empresas tiveram dificuldades em servir suas dívidas com os bancos, e ficaram sem financiamentos dos mercados de crédito internacionais. Isso as levou buscar recursos provenientes de empresas, fundos e aplicadores estrangeiros.

18 O frigorífico JBS Friboi, maior empresa de carnes do mundo, tem feito diversas aquisições de empresas no exterior, com a ajuda financeira do BNDES, sem, portanto, criar emprego algum no Brasil. O BNDES, através da BNDESPar, sua empresa de participações, adquiriu dois milhões de debêntures por R$ 3,4 bilhões, já tendo comprometido R$ 7,5 bilhões na Friboi, na qual detém participação acionária de 22,36%. Esse extraordinário apoio financeiro é maior do que o engajado na fusão das empresas de telecomunicações Oi/Brasil Telecom, ambas sob controle estrangeiro.

Açúcar e etanol

19 Ramo em que a desnacionalização progride a passos largos é o da produção sucroalcooleira. A velocidade pode ser avaliada através de dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar – ÚNICA: na safra de 2007/08 correspondiam a 7% as companhias com capital estrangeiro, e na de 2010/2011, essa participação será de 22%. Além disso, cresceu a concentração: em 2004/05, as cinco maiores empresas enfeixavam 12% da produção; em 2009/10, já representavam 27% do total.

20 Eis o que disse o presidente da UNICA, Marcos Jank, referindo-se à entrada da mega-petroleira britânica Shell no segmento de açúcar e etanol, com a joint-venture formada com a COSAN, em operação que envolveu US$ 12 bilhões:

“Os acordos para fusões e aquisições entre usinas de cana ocorridos nos últimos meses, especialmente aqueles que envolveram empresas estrangeiras, deixaram o setor sucroalcooleiro do Brasil mais forte para enfrentar momentos de dificuldades como os registrados em 2009."

21 No artigo anterior, falamos da financeira Gávea, de Armínio Fraga, controlada pelo JP Morgan, a qual detém 14% da COSAN, antes controlada pelo grande empresário sucroalcooleiro, Rubens Ometto.

22 A Santa Elisa Vale foi comprada por uma das maiores tradings transnacionais, a Louis Dreyfus Commodities, a Moema o foi por outra mega-trading, a Bunge, e a BRENCO, grande tomadora de recursos do BNDES, pela ETH.

23 A BRENCO era presidida por Henri-Philippe Reichstul, do círculo de FHC e que faz parte do conselho de administração de três companhias estrangeiras: REPSOL, Peugeot Citroën e EIA, do setor de energia. Na diretoria da BRENCO predominam mandatários de transnacionais (Ashmore Energy e Silverpoint Capital), e há um representante de acionistas norte-americanos e outro de brasileiros.

24 É de notar (Vide parágrafo 20 supra) o viés entreguista de Marcos Jank, presidente da entidade representativa das empresas brasileiras sucroalcooleiras. Seria ele empresário desse setor? Não. É um professor-doutor da USP, com graduações no exterior, tido por especialista em negociações internacionais. Curioso, não? Pelo menos, impossível em países nos quais a meta dos donos de empresas não é desfazer-se delas.

25 O grupo francês TEREOS, controlador, com 69% do capital, da Açúcar Guarani, quarta maior empresa do setor sucroalcooleiro no Brasil, anunciou que o Brasil passaria a ser seu centro financeiro, com a criação da TEREOS International. Traria os ativos da Europa e da região do Oceano Índico – cerca de € 1 bilhão - para incorporar à Guarani, em operação no montante de € 1,7 bilhão. A presente receita anual desta é de R$ 1,5 bilhão, e sua dívida líquida soma R$ 1,1 bilhão.

26 Houve, ainda, a compra de participação majoritária na Equipav pela Shree Renuka, da Índia, além do avanço do grupo Bertin nos biocombustíveis, ao entrar na Infinity. A CEB-Clean Energy Brazil comprou usinas em Mato Grosso do Sul (MS) e Goiás.
Varejo/supermercados

27 No varejo de eletrodomésticos, o Grupo Pão de Açúcar, controlado pelo Casino, da França, absorveu a Casas Bahia, agregando-a a: Extra; Sendas; Assai Atacadista; TAEQ; Compre Bem; Ponto Frio. É a maior rede do país. As outras são o Carrefour, também francês, e o Wal Mart, norte-americano, em rápida expansão. O ramo de supermercados está altamente concentrado e quase totalmente desnacionalizado.

28 A Sodexo, outro grupo francês, que controla 220 mil estabelecimentos comerciais, administrando restaurantes e cafeterias e fornecendo refeições coletivas, projeta crescimento anual de 20%, e atual também em mineração, navios-sonda e plataformas de exploração de petróleo. No Brasil a receita bruta é estimada em R$ 900 milhões.
Construção, empreiteiras

29 As empreiteiras, além de se terem aberto a participações acionárias estrangeiras, têm tido apoio irrestrito do BNDES, tendo passado a atuar também na petroquímica, agronegócio, mineração, telecomunicações, produção de etanol, petróleo, saneamento, açúcar, energia elétrica e rodovias. A Andrade Gutierrez é acionista da Telemar, dona da OI, que comprou a Brasil Telecom, graças a empréstimos do BNDES de R$ 2,6 bilhões em 2008 e R$ 4,4 bilhões em 2009. A Andrade Gutierrez tem mais as seguintes empresas: Dominó Holding S.A., Water Port S.A., Corporación Quiport, CCR-Cia. de Concessões Rodoviárias, RME-Rio Minas Energia.

30 Da mesma forma, diversificaram-se a Odebrecht, a Camargo Correa, a Mendes Junior, a Queiroz Galvão. A Odebrecht Realizações Imobiliárias atua no segmento de baixa renda (entre zero e três salários mínimos) e média/alta renda, com projetos imobiliários em quase 10 Estados brasileiros. A Odebrecht, que controla a BRASKEN, outra grande beneficiária do BNDES, diz não ter planos, a curto prazo, de lançar ações na Bolsa de Valores, mas vendeu ações à Gávea, controlada pelo JP Morgan.

31 A Gávea tem outras participações em construtoras e empreiteiras, além de participação de 12,6% do grupo de comunicação RBS e 12% das ações ordinárias da Lojas Americanas.
Farmacêutica

32 Os laboratórios farmacêuticos mundiais faturam mundialmente somas inimagináveis devido ao mercado que lhe é assegurado pelos múltiplos malefícios que os hábitos alimentares, as tensões nervosas e a intoxicação indissociavelmente ligadas ao sistema político e econômico imperial, tudo coadjuvado pela medicina oficial alopática.

33 No Brasil, o setor das doenças, mal chamado de setor de saúde, conta com farmácias a cada esquina nas cidades e em cada vilarejo, interior a dentro. Desde 1945, e de modo intenso desde 1954, os tradicionais laboratórios nacionais foram desnacionalizados sob a pressão da política econômica pró-transnacionais.

34 Do mesmo modo que a indústria automobilística e a de autopeças nacionais, a farmacêutica foi destruída a partir das políticas entreguistas da UDN e de seus simpatizantes militares, bem como do pseudo-desenvolvimentismo de JK. Todas essas indústrias, e até mesmo as de máquinas-ferramentas, equipamentos pesados etc., já se encontram, portanto, de há muito, virtualmente desnacionalizadas.

35 Mesmo assim, o processo ainda prossegue, engolindo sempre algo mais. Há pouco, a farmacêutica norte-americana Pfizer adquiriu 40% do laboratório brasileiro TEUTO por R$ 400 milhões, visando a ampliar sua presença nos medicamentos genéricos. O negócio inclui a opção de apresentar oferta pelos 60% restantes, no início de 2014. O acordo leva, ainda, a Pfizer a registrar e comercializar produtos da Teuto no Brasil e em outros mercados sob suas marcas próprias.

37 Localizado em Anápolis (GO), o laboratório TEUTO foi fundado em 1947. A Pfizer o absorveu após comprar a King Pharmaceuticals, especialista em analgésicos, e aliar-se com a Biocon, da Índia, em produtos similares à insulina.
Transportes

38 O atual governo privatizou a ferrovia Norte-Sul e mais sete trechos de rodovias, entregues às espanholas Acciona e OHL. A Juring Shipyard de Cingapura, subsidiária da norte americana Semb Corp Marine, adquiriu parte do Estaleiro Mauá e a passou para o Sinergy Group, que já detinha 65% do estaleiro.
Telecomunicações

39 Em sequência à desastrosa privatização do setor por FHC no final dos anos 90, ele foi, cada vez mais, caindo em poder de oligopólios estrangeiros, que fizeram piorar a qualidade dos serviços e encarecer as tarifas. Recentemente, a Telefonica (Espanha) comprou a Vivo, e a Portugal Telecom entrou na OI, já controlada por bancos estrangeiros e seus agentes, como Daniel Dantas.

40 A holding Telemar Participações, controladora da OI, comprou a Brasil Telecom por R$ 5,863 bilhões. O BNDES injetou cerca de R$ 4,4 bilhões para “saneamento” da adquirida, após se ter viabilizado a transação por haver o governo patrocinado mudança na Lei de Telecomunicações.
Diversos

41 Em operação recente, a norte-americana A. Schulman adquiriu a produtora brasileira de compostos plásticos Mash, controlada pela Mash Têxtil, a qual opera desde 2004, em São Paulo, produzindo para os setores automotivo, eletrônicos e agricultura. A A. Schulman fornece compostos plásticos e resinas, utilizados como insumos em várias indústrias.

42 Outra faceta interessante é a crescente entrada dos asiáticos, principalmente a China, na compra de ativos no Brasil. No primeiro semestre, os asiáticos responderam por 35,8% dos negócios, os europeus 63,6%, e Estados Unidos, apenas 0,6%, ainda sob o efeito da crise de 2008. Entre as aquisições chinesas foi salientada a dos ativos da Plena Transmissora pela State Grid of China.

Fonte: http://www.anovademocracia.com.br/no-73/3251-desnacionalizacao-da-economia-brasileira-iii