sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Natal: Jesus ou Papai Noel

Frei Betto

Aproxima-se o Natal. Curioso como, numa sociedade tão laicizada como a nossa, na qual predomina a tendência de escantear a religião para a esfera privada, uma festa religiosa ainda possa constituir um marco no calendário dos países do Ocidente.

Há nisso uma questão de fundo: o ser humano é, por natureza, lúdico e sociável, o que o induz a ritualizar seus mais atávicos gestos, como alimentar-se ou se relacionar sexualmente. Além de elaborar, condimentar e enfeitar sua comida, o que nenhum outro animal faz, o ser humano exige mesa e protocolo, como talheres e a sequência prato forte e sobremesa.

No sexo, não se restringe ao acasalamento associado à procriação. Faz dele expressão de amor e o reveste de erotismo e liturgia, embora o pratique também como degradação (prostituição, pornografia e pedofilia) e violência (jogo de poder entre parceiros).

O Carnaval, como o Natal, era originariamente uma festa religiosa. Nos três dias que antecedem a Quaresma, período de jejum e abstinência recomendados pela Igreja, os cristãos se fartavam de carnes – daí o termo Carnaval, festival da carne. Resume-se, hoje, a uma festa meramente profana, onde a carne predomina em outro sentido...

Essa transmutação ocorre também com o Natal. Por ser festa de origem cristã, para celebrar o nascimento de Jesus, a sociedade laica e religiosamente plural a descaracteriza pela introdução da figura consumista de Papai Noel. O que deveria ser memória da presença de Deus na história humana, passa a ser mero período de miniférias centrada em muita comilança e troca compulsiva e compulsória de presentes.

Daí o desconforto que todo Natal nos traz. Como se o nosso inconsciente denunciasse o blefe. Sonegamos a espiritualidade e realçamos o consumismo. Ótimo para o mercado. Mas o será também para as crianças que crescem sem referências espirituais e valores subjetivos, sem ritos de passagem e senso de celebração?

Longe de mim pretender restaurar a religiosidade repressiva do passado. Mas se há algo tão inerente à condição humana, como a manutenção (comer) e a procriação (sexo) da vida, é a espiritualidade. Ela existe há cerca de um milhão de anos, desde que o símio deu o salto para o homo sapiens. As religiões são recentes, surgiram há menos de dez mil anos.

Se a espiritualidade não é fomentada na linha da interiorização subjetiva e da expressão de conexão com o Transcendente, ela corre o sério risco de, apropriada e redirecionada pelo sistema, cair na idolatria de bens materiais (patrimônio) e de bens simbólicos (prestígio, poder, estética pessoal etc). Talvez isso explique por que a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas similares a catedrais pós-modernas...

Já não são princípios religiosos que norteiam a nossa vida. Desestimulados ao altruísmo e à solidariedade, centramos a existência no próprio umbigo – o que certamente explica, na expressão de Freud, “o mal-estar da civilização”, hoje acrescido desse vazio interior que gera tanta angústia, ansiedade e depressão.

Com certeza o Natal é ocasião propícia para, como propôs Jesus a Nicodemos, nascer de novo...

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A propósito da invasão da UERJ Maracanã pela Polícia Militar

Ontem, decorridos mais de dois meses do início da greve na UERJ, sem atendimento de sequer um item da pauta de reivindicações, fizemos um ato de rua. A proposta era fecharmos a Avenida Radial Oeste por algum tempo e depois seguirmos em marcha para a UERJ, onde faríamos a assembleia estudantil. Conseguimos fechar a Avenida por alguns minutos, mesmo com a intimidação da PM. Depois, seguimos em direção a UERJ. Entramos na Universidade pelo portão principal e caminhamos até a agência do Banco Bradesco, que está desativada por conta de uma obra. Quando nos preparávamos para iniciar a reunião, fomos surpreendidos pela entrada de vários veículos da PM (vans, caminhonetes S10, Blazers etc.) transportando vários policiais fortemente armados, entre os quais pelo menos uma dúzia do Batalhão de Choque.
Passados alguns momentos, o Choque lançou bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio, gerando correria e nervosismo. Em nota, a PM divulgou que jogou a bomba para dispersar os manifestantes que estavam depredando o caixa eletrônico do banco, uma mentira deslavada. Aliás, a mentira faz parte da prática da polícia. Quando uma criança morre na favela com um tiro de fuzil, a culpa é dos bandidos; quando um jovem morre, eles dizem que era traficante que trocou tiros. Desta forma, eles escondem as barbaridades que fazem, contando, para isso, com o apoio da mídia. Ontem foi apenas mais um desses episódios.
A ação da polícia e a cobertura da mídia mostrou, mais uma vez, o papel de um e de outro. À polícia cabe reprimir violentamente qualquer um que ouse reclamar, e à mídia cabe criar o consenso em torno da “verdade” que é contada à “opinião pública”. Disso podemos extrair nossa primeira lição: não podemos confiar na mídia nem na PM, de jeito algum. Percebi que uma parte dos manifestantes, de alguma forma, nutrem confiança no órgão de repressão e na fábrica de opinião pública. Sugiro, humildemente, que reflitam sobre isso.
Nossa ação mais contundente, aliás muito necessária, teve uma violenta resposta do Estado. A tendência é piorar. Não podemos ser ingênuos. Com as transformações em curso na cidade e a aproximação dos Megaeventos, a violência do Estado vai aumentar ainda mais contra todos que constituem ameaça ao projeto de cidade em andamento. Quem ameaça? Os favelados, os grevistas, nós estudantes. Em suma, os trabalhadores ameaçam a concretização desse projeto de cidade. Por isso mesmo a repressão tende a aumentar cada vez mais sobre esses setores. Temos que nos preparar para isso. Essa é outra lição. Nossa preparação, especificamente, depende muito dos resultados dessa greve: uma greve vitoriosa representará um salto de qualidade em termos de organização; uma derrota representará um descrédito e desânimo generalizado, além da chacota de setores reacionários da Universidade. Agora, precisamos concentrar esforços em atos contundentes com muitas pessoas. Vamos sensibilizar nossos “militantes de facebook”.
Outra questão importante é investigar quem convocou e autorizou a entrada da PM. Será que foi a Reitoria? Se foi, ela não pode ficar impune. Foi a administração do banco? Em caso afirmativo, pode ter sido com o aval da Reitoria, pois o espaço ocupado pela agência pertence à Universidade, é portanto público.
Por último, gostaria de levantar outra questão. A violência da ação policial não se justifica em parte por termos ocupado um banco? Afinal, essa instituição que manda em qualquer país capitalista, seja avançado ou atrasado, é a mais sagrada das propriedades privadas.
A entrada da PM na Universidade não pode ser tolerada. Parafraseando o Companheiro Igor, se a PM quiser entrar na UERJ, que faça vestibular!



Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2012
José Neto
Estudante da UERJ

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A ideologia alemã

Até agora, os homens formaram sempre idéias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los portanto das quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas idéias.

Karl Marx e Friedrich Engels

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pinheirinho e a brutalidade da sociedade brasileira

Domingo, dia 22 de janeiro de 2012, os moradores do bairro Pinheirinho, localizado na cidade de São José dos Campos (SP), foram brutalmente expulsos do lugar onde, desde 2004, cerca de 1500 famílias, mais ou menos 9000 pessoas, viviam. O meu interesse pela questão social, associado à bestialidade, aliás, costumeira, da Polícia Militar e a virulenta cumplicidade dos meios de comunicação na cobertura do caso, me instigaram a buscar algumas informações sobre o assunto.

Um pouco da história do Pinheirinho

Em 2004, famílias pobres sem-teto começaram a ocupar um terreno de 1,3 milhões de metros quadrados, de propriedade do corrupto patrão Naji Nahas. Desde então, as famílias do Pinheirinho, com muito sacrifício, vinham construindo suas casas, um pequeno comércio local e até infraestruturas, já que o Estado, quando não era omisso, fazia muito pouco, dado o fato de que o bairro era ilegal. O sonho de legalização da ocupação cessou tragicamente no último domingo, quando os moradores, entre os quais muitos velhos, crianças e mulheres grávidas, foram escorraçados de suas casas por dois mil homens da PM e da Guarda Municipal equipados com helicópteros de guerra, cães, granadas, armas de fogo, além da poderosíssima arma chamada grande mídia.

E o dono do terreno, quem é?

O terreno em questão pertence ao corrupto-ladrão-especulador, enfim, bandido de colarinho branco, Naji Nahas, conhecido empresário trambiqueiro, para quem os fins sempre justificam os meios. Nahas possui uma ficha criminal de dar inveja a qualquer vigarista: corrupção, lavagem de dinheiro, crimes financeiros etc. Além disso, deve milhões de reais ao Estado brasileiro.

Os limites da justiça

“(...)vosso direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei...” (Trecho extraído do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels)

Afirmava-se que Daniel Drew, um dos mais notórios dos primeiros barões das ferrovias, observou certa vez: “A lei é como uma teia de aranha: é feita para apanhar moscas e insetos pequenos, mas deixa passar os grandes (...)quando as tecnicalidades da lei se intrometeram, eu sempre consegui afastá-las facilmente.” Seu rival e contemporâneo Cornelius Vanderbilt disse a mesma coisa com mais concisão: “A lei. Que me importa a lei? Eu tenho o poder.” (Trecho do livro Capitalismo gângster, de Michael Woodiwiss)

O caso Pinheirinho prova, de maneira cabal, a veracidade das frases acima. Os oito anos da ocupação seriam mais do que suficientes para resolver a situação a favor dos moradores. Porém, durante todo esse tempo a justiça “cozinhou” o povo, preparando o circo dos horrores, o domingo de sangue e lágrimas.

Os juízes, analistas, advogados e toda sorte de picaretas mancomunados em torno da “justiça” cinicamente forjam desculpas para tentar justificar o ocorrido. Falam em conflitos entre esferas de poder, se é o Estado de SP ou o governo federal responsável pelo problema, cumprimento de reintegração de posse e blá blá blá. Enquanto isso, como ficam os desalojados? Na rua da amargura. Quantos “especialistas” apareceram para dizer que a desapropriação do terreno era perfeitamente legal, constitucional? Apareceram, sim, políticos profissionais do PT e outros partidos patronais reclamando da truculência da ação, como se nos estados que governam não fizessem o mesmo, ou até pior.

O que precisamos ter claro é o caráter parcial da justiça, embora seus defensores a coloquem como imparcial e democrática. Quem faz as leis? Com que interesses? Essas perguntas e, sobretudo, as respostas precisam ficar claras.

“Sequestrador a mídia cobra, um mês, ta morto
Diferente de quem rouba com a caneta de ouro
Se por milagre preso fica emocionalmente abalado
E é receitada prisão domiciliar pra arrombado.
O ladrão de seis galinhas tá no presídio,
O banqueiro tá livre por que tem endereço fixo”

O trecho acima, da música “Hoje Deus anda de blindado”, do grupo Facção Central, reforça o que já foi dito. Para o trabalhador justiça implacável; para o patrão benevolência. Mas, porque essa disparidade na aplicação da lei? Jamais podemos esquecer que a sociedade brasileira (e quase todas as demais) é formada por classes sociais, grupos que ocupam posições distintas na vida econômica e cultural. Os patrões dominam e os trabalhadores são dominados. Evidentemente, já que as posições ocupadas na sociedade são diferenciadas, os interesses são diferenciados: o burguês quer continuar a ser dominante e o trabalhador não mais quer ser dominado. Esse conflito, essa luta de classes, se reflete em toda a vida espiritual, incluindo aí o direito. E como sabemos, na luta entre desiguais quase sempre vence o mais poderoso, nesse caso o patrão...

Como a mídia enxerga o caso Pinheirinho

Quase nenhum acontecimento contemporâneo chega a nós sem a apreciação peçonhenta da grande mídia. Tendemos a acreditar que o que se passa na TV, jornais escritos e demais veículos de “comunicação” em massa são fatos, mas, na verdade, são interpretações dos fatos. E qualquer interpretação é um ponto de vista, influenciado pela visão de mundo de quem interpreta. Como a mídia viu o caso Pinheirinho? Como vê quase todos os problemas sociais, ou seja, como caso de polícia.

Durante a curtíssima atenção que a mídia (Globo, etc.) dedicou ao problema do Pinheirinho, pôde-se perceber todo seu ódio e desprezo pelas demandas populares, além da rotineira manipulação das informações. Uso de termos aparentemente inocentes, mas no fundo maliciosos e pejorativos, como chamar os moradores de invasores; visão fragmentada e superficial dos acontecimentos; tentativa de desqualificar lideranças dos moradores e partidos e políticos combativos envolvidos; ocultação de fatos, como o elevado número de feridos e até possíveis mortes (Enquanto era pobre disfigurado no caixão preto vale o ditado: no cú dos outros é refresco. Hoje Deus anda de blindado, Facção Central); essas e muitas outras estratégias foram utilizadas pelos “formadores de opinião” para criar uma visão míope caso Pinheirinho. Abaixo, alguns trechos que exemplificam isso:

“Intitulando-se líder dos moradores, está no elenco Valdir Martins, o Marron, candidato a deputado estadual pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU, residente em Vila Interlagos e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos local, como representante dos trabalhadores de uma empresa que não existe mais.” (Blog do Noblat. Dia 25/01/2012)

Noblat, famoso colunista do Globo, maldosamente destilou seu veneno. Colocou em xeque a liderança do Marron e deixou no ar que o militante não teria legitimidade para representar os moradores, visto que não reside no Pinheirinho. Golpe baixíssimo.

“Se esse tal MTST estivesse mesmo preocupado em encontrar uma solução para as pessoas sem moradia, poderia perfeitamente ter tentado algum tipo de acordo antes que a situação chegasse à fase final.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

Mais baixos ainda são os ataques desse tal Ricardo Galuppo, que além de maldoso é mal informado. Vários acordos foram tentados ao longo dos oito anos.

“Se houve truculência da polícia, ela deve ser tratada de acordo com a lei. Uma lei que vale para a PM, também vale (ou deveria valer) para o MTST. Fora disso, qual quer comentário que se faça a respeito da ação policial empreendida por ordem judicial não passa de proselitismo eleitoral.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

Se houve truculência? Feridos gravemente, presos e quem sabe até mortos sinalizam truculência no despejo? Para gente da laia de Galuppo, acho que não. A lei que vale para o MTST que deveria valer para a PM, não o contrário. Os porcos que desrespeitam as leis a todo momento...

Para finalizar essa parte, vejam essa de Galuppo:

“O problema da moradia no Brasil é grave e os governos têm demonstrado intenção em resolvê-lo. Mas o que houve no Pinheirinho nada tem a ver com a questão da moradia.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

O que houve no Pinheirinho nada tem a ver com a questão da moradia? Tem a ver com o que então?

Direito humano ou direito de propriedade?

Pinheirinho mostrou que na disputa entre direito humano x direito de propriedade quase sempre triunfa o inalienável direito de propriedade. Nas condições atuais, expulsar de suas casas 9.000 pessoas em benefício de um único homem, milionário, corrupto e que deve milhões ao Estado, é perfeitamente legal, alguns até consideram que é moral.

Aos “democratas” de plantão

São muitos os adjetivos pejorativos que usam para qualificar pessoas como eu: esquerdistas, esquerdopatas, comedores de criancinhas, totalitários, ditadores, fascistas e mais uma infinita lista de nomes elogiosos. Todavia, o caso Pinheirinho fez caírem as máscaras dos “democratas”, que apoiaram uma ação de limpeza social talvez mais cruel e sanguinária que as empreendidas pelo III Reich.

Embora o ocorrido no Pinheirinho tenha sido mais um episódio do massacre secular que as classes dominantes impõem ao meu povo, estou convicto de que, cedo ou tarde, despertaremos desse sono embrutecedor. Quando isso acontecer, enfim tomaremos as rédeas da história e construiremos o Brasil dos nossos sonhos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

NOVA RONDA ALTA

Nova Ronda Alta terra prometida

Quando a união não falta, sobre a terra é vida

Terra Prometida que conquistaremos

Com força unida e os irmãos que temos.


Nós pobres podemos, Deus está por nós

Juntos venceremos muitos "Curiós"

E pra gauchada que firme onde está

A golpe de enxada o chão crescerá.


Esta terra é nossa vida São Sepé!

E não há quem possa dobrar nossa fé

Cada encruzilhada que vencer o povo

É uma caminhada para o mundo novo.


A terra vermelha como sangue puro

Germina na história o nosso futuro

Batiza a barragem e o resto que espera

Águas de passagens páscoa verdadeira


Muitos vão em frente de nossa esperança

E dentro da gente todo povo avança

A cruz por bandeira e o amor deste chão

Somos sementeiras de libertação.



(Dom Pedro Casaldáliga)


terça-feira, 19 de julho de 2011

Drama índio

Tive terra

não tenho.

Tive casa

não tenho.

Tive pátria

venderam.

Tive filhos

estão mortos

ou dispersos.

Tive caminhos

foram fechados.


Fonte: Poesia de Pedro Tierra sobre a história da destruição dos povos indígenas “brasileiros”.