quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Histórico da dívida




As duas primeiras operações de crédito externo, efetuadas pelo Brasil independente, foram feitas em 1825, dentro de um tratado secreto negociado pela família imperial. A primeira destinava-se a pagar dívidas de Portugal para com a banca inglesa, no montante de seiscentas mil libras esterlinas, de despesas autorizadas por D. João VI para pagar o translado da corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Importamos esse preço à classe dirigente que regeria, desde então, nosso destino em seu próprio benefício.
A segunda dívida, por nós assumida, de um milhão e quatrocentas mil libras esterlinas, é relativa à dívida feita por Portugal em Londres, precisamente para combater a independência do Brasil. A partir daí, o endividamento se tornou um vício¹. Já em 1823, o Imperador tomou um empréstimo de 3,6 milhões de libras para financiar déficits orçamentários. Para isso, sem crédito, deu como garantia aos ingleses a única renda segura que havia: a alfândega. Desde então, o Brasil jamais deixou de ser devedor da banca internacional.
O melhor juízo crítico sobre nossa dívida foi dado no Senado do Império, pelo velho Martin Francisco, irmão do Patriarca da independência. Disse ele: “Estou e sempre estive convencido de que a teoria dos empréstimos era um abismo... O empréstimo contraído por qualquer Estado é sempre um sintoma de prodigalidade de seu governo, ou a morte desse espírito de ordem e de economia, primeiras bases de toda boa organização financeira... Os empréstimos concorrem a excitar a cobiça dos cidadãos e amortecem em seus corações o sentimento desinteressado de amor à pátria. As chamadas despesas extraordinárias são pérolas douradas, engolidas por povos boçais”. Assim foi com Felisberto Caldeira Brant, primeiro negociador de nossa dívida, que com ela enriqueceu. Assim foi com o último, Tony Gebauer, que acabou preso, como ladrão, numa cadeia norte-americana.
À exceção do governo de Getúlio Vargas, todos os outros se endividaram e penaram na mão dos banqueiros e de seus agentes nativos. Seu ministro da fazenda, Artur de Souza Costa, afirmava: “Não se pode compreender que uma nação trabalhe para transferir, sistematicamente, seus recursos às mãos dos credores, sem possibilidades de reservar desses recursos a parcela suficiente ao custeio de suas necessidades. Os encargos da dívida externa não podem anular o direito de subsistência dos povos, da mesma maneira que normas contratuais que se tornaram extorsivas em face das possibilidades econômicas não podem subsistir”. Precisamente por sua orientação cautelosa é que Vargas teve recursos para lançar as bases do desenvolvimento autônomo do Brasil. Foi Getúlio Vargas quem modernizou o Estado brasileiro e fez dele protagonista, que implantou a nossa infra-estrutura econômica. São obras daquele período a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, a Cia. Nacional de Álcalis, a Hidroelétrica do São Francisco, a Petrobrás, a Eletrobrás, além do Banco do Nordeste, do Banco de Crédito Cooperativo e de outros, inclusive esse vilipendiado BNDES.
Também o Presidente Ernesto Geisel formulou e executou um amplo programa de metas com financiamento estrangeiro. Embora setorial, ele fortaleceu substancialmente nossa infra-estrutura econômica, especialmente no campo decisivo da indústria petroquímica, esta mesma que alguns irresponsáveis querem agora alienar.
É de assinalar, aqui, que raramente o Brasil se endividou para custear programas concretos de implantação de estruturas produtivas. Os empréstimos quase sempre foram tomados, principalmente, para pagar dívidas atrasadas ou, no máximo, para custear projetos esparsos, sobretudo durante e depois do alucinado “milagre econômico”. Mais espantoso, ainda, é que jamais soubemos, e ainda hoje não sabemos ao certo – apesar de todas as facilidades oferecidas pela informática -, qual é a situação real de nosso endividamento externo. Não se sabe qual o destino das operações financeiras iniciais e quais seus desdobramentos. O Banco Central não é capaz de informar se as operações financeiras foram utilizadas com as razões que levaram a sua efetivação. Ainda em 1994, com as negociações aprovadas pelo Senado, o governo reconhecia desconhecer os dados da dívida externa, através da mensagem nº 133 de 1991.
Foi na última década, porém, que nossa dívida externa eclodiu, tornando-se a causa fundamental da crise econômica. Em 1964, a dívida externa brasileira era de três bilhões de dólares; elevou-se, em 1978, a 43 bilhões e, em 1982, a 70 bilhões. No fim da década, havíamos ultrapassado os cem bilhões. Para resgatar só os juros dessa imensa dívida acumulada, o governo vinha pagando mais de 12 bilhões de dólares ao ano.


Texto extraído do livro intitulado “O Brasil como problema”, do professor Darcy
Ribeiro

¹ Todos os grifos são meus


Minhas observações

O Superávit primário, uma das metas da política econômica brasileira iniciada por FHC e mantida por Lula, e agora Dilma, nada mais é do que o uso do nosso dinheiro (recolhido através dos impostos) para enriquecer mais ainda os banqueiros, através do pagamento dos juros da dívida, e para empobrecer nosso povo. Essa dívida é ilegítima, ilegal e imoral e a continuidade de seu pagamento ajuda a manter nossa gente na miséria.

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