sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pinheirinho e a brutalidade da sociedade brasileira

Domingo, dia 22 de janeiro de 2012, os moradores do bairro Pinheirinho, localizado na cidade de São José dos Campos (SP), foram brutalmente expulsos do lugar onde, desde 2004, cerca de 1500 famílias, mais ou menos 9000 pessoas, viviam. O meu interesse pela questão social, associado à bestialidade, aliás, costumeira, da Polícia Militar e a virulenta cumplicidade dos meios de comunicação na cobertura do caso, me instigaram a buscar algumas informações sobre o assunto.

Um pouco da história do Pinheirinho

Em 2004, famílias pobres sem-teto começaram a ocupar um terreno de 1,3 milhões de metros quadrados, de propriedade do corrupto patrão Naji Nahas. Desde então, as famílias do Pinheirinho, com muito sacrifício, vinham construindo suas casas, um pequeno comércio local e até infraestruturas, já que o Estado, quando não era omisso, fazia muito pouco, dado o fato de que o bairro era ilegal. O sonho de legalização da ocupação cessou tragicamente no último domingo, quando os moradores, entre os quais muitos velhos, crianças e mulheres grávidas, foram escorraçados de suas casas por dois mil homens da PM e da Guarda Municipal equipados com helicópteros de guerra, cães, granadas, armas de fogo, além da poderosíssima arma chamada grande mídia.

E o dono do terreno, quem é?

O terreno em questão pertence ao corrupto-ladrão-especulador, enfim, bandido de colarinho branco, Naji Nahas, conhecido empresário trambiqueiro, para quem os fins sempre justificam os meios. Nahas possui uma ficha criminal de dar inveja a qualquer vigarista: corrupção, lavagem de dinheiro, crimes financeiros etc. Além disso, deve milhões de reais ao Estado brasileiro.

Os limites da justiça

“(...)vosso direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei...” (Trecho extraído do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels)

Afirmava-se que Daniel Drew, um dos mais notórios dos primeiros barões das ferrovias, observou certa vez: “A lei é como uma teia de aranha: é feita para apanhar moscas e insetos pequenos, mas deixa passar os grandes (...)quando as tecnicalidades da lei se intrometeram, eu sempre consegui afastá-las facilmente.” Seu rival e contemporâneo Cornelius Vanderbilt disse a mesma coisa com mais concisão: “A lei. Que me importa a lei? Eu tenho o poder.” (Trecho do livro Capitalismo gângster, de Michael Woodiwiss)

O caso Pinheirinho prova, de maneira cabal, a veracidade das frases acima. Os oito anos da ocupação seriam mais do que suficientes para resolver a situação a favor dos moradores. Porém, durante todo esse tempo a justiça “cozinhou” o povo, preparando o circo dos horrores, o domingo de sangue e lágrimas.

Os juízes, analistas, advogados e toda sorte de picaretas mancomunados em torno da “justiça” cinicamente forjam desculpas para tentar justificar o ocorrido. Falam em conflitos entre esferas de poder, se é o Estado de SP ou o governo federal responsável pelo problema, cumprimento de reintegração de posse e blá blá blá. Enquanto isso, como ficam os desalojados? Na rua da amargura. Quantos “especialistas” apareceram para dizer que a desapropriação do terreno era perfeitamente legal, constitucional? Apareceram, sim, políticos profissionais do PT e outros partidos patronais reclamando da truculência da ação, como se nos estados que governam não fizessem o mesmo, ou até pior.

O que precisamos ter claro é o caráter parcial da justiça, embora seus defensores a coloquem como imparcial e democrática. Quem faz as leis? Com que interesses? Essas perguntas e, sobretudo, as respostas precisam ficar claras.

“Sequestrador a mídia cobra, um mês, ta morto
Diferente de quem rouba com a caneta de ouro
Se por milagre preso fica emocionalmente abalado
E é receitada prisão domiciliar pra arrombado.
O ladrão de seis galinhas tá no presídio,
O banqueiro tá livre por que tem endereço fixo”

O trecho acima, da música “Hoje Deus anda de blindado”, do grupo Facção Central, reforça o que já foi dito. Para o trabalhador justiça implacável; para o patrão benevolência. Mas, porque essa disparidade na aplicação da lei? Jamais podemos esquecer que a sociedade brasileira (e quase todas as demais) é formada por classes sociais, grupos que ocupam posições distintas na vida econômica e cultural. Os patrões dominam e os trabalhadores são dominados. Evidentemente, já que as posições ocupadas na sociedade são diferenciadas, os interesses são diferenciados: o burguês quer continuar a ser dominante e o trabalhador não mais quer ser dominado. Esse conflito, essa luta de classes, se reflete em toda a vida espiritual, incluindo aí o direito. E como sabemos, na luta entre desiguais quase sempre vence o mais poderoso, nesse caso o patrão...

Como a mídia enxerga o caso Pinheirinho

Quase nenhum acontecimento contemporâneo chega a nós sem a apreciação peçonhenta da grande mídia. Tendemos a acreditar que o que se passa na TV, jornais escritos e demais veículos de “comunicação” em massa são fatos, mas, na verdade, são interpretações dos fatos. E qualquer interpretação é um ponto de vista, influenciado pela visão de mundo de quem interpreta. Como a mídia viu o caso Pinheirinho? Como vê quase todos os problemas sociais, ou seja, como caso de polícia.

Durante a curtíssima atenção que a mídia (Globo, etc.) dedicou ao problema do Pinheirinho, pôde-se perceber todo seu ódio e desprezo pelas demandas populares, além da rotineira manipulação das informações. Uso de termos aparentemente inocentes, mas no fundo maliciosos e pejorativos, como chamar os moradores de invasores; visão fragmentada e superficial dos acontecimentos; tentativa de desqualificar lideranças dos moradores e partidos e políticos combativos envolvidos; ocultação de fatos, como o elevado número de feridos e até possíveis mortes (Enquanto era pobre disfigurado no caixão preto vale o ditado: no cú dos outros é refresco. Hoje Deus anda de blindado, Facção Central); essas e muitas outras estratégias foram utilizadas pelos “formadores de opinião” para criar uma visão míope caso Pinheirinho. Abaixo, alguns trechos que exemplificam isso:

“Intitulando-se líder dos moradores, está no elenco Valdir Martins, o Marron, candidato a deputado estadual pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU, residente em Vila Interlagos e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos local, como representante dos trabalhadores de uma empresa que não existe mais.” (Blog do Noblat. Dia 25/01/2012)

Noblat, famoso colunista do Globo, maldosamente destilou seu veneno. Colocou em xeque a liderança do Marron e deixou no ar que o militante não teria legitimidade para representar os moradores, visto que não reside no Pinheirinho. Golpe baixíssimo.

“Se esse tal MTST estivesse mesmo preocupado em encontrar uma solução para as pessoas sem moradia, poderia perfeitamente ter tentado algum tipo de acordo antes que a situação chegasse à fase final.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

Mais baixos ainda são os ataques desse tal Ricardo Galuppo, que além de maldoso é mal informado. Vários acordos foram tentados ao longo dos oito anos.

“Se houve truculência da polícia, ela deve ser tratada de acordo com a lei. Uma lei que vale para a PM, também vale (ou deveria valer) para o MTST. Fora disso, qual quer comentário que se faça a respeito da ação policial empreendida por ordem judicial não passa de proselitismo eleitoral.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

Se houve truculência? Feridos gravemente, presos e quem sabe até mortos sinalizam truculência no despejo? Para gente da laia de Galuppo, acho que não. A lei que vale para o MTST que deveria valer para a PM, não o contrário. Os porcos que desrespeitam as leis a todo momento...

Para finalizar essa parte, vejam essa de Galuppo:

“O problema da moradia no Brasil é grave e os governos têm demonstrado intenção em resolvê-lo. Mas o que houve no Pinheirinho nada tem a ver com a questão da moradia.” (Site Brasil Econômico. Dia 26/01/2012. Por Ricardo Galuppo)

O que houve no Pinheirinho nada tem a ver com a questão da moradia? Tem a ver com o que então?

Direito humano ou direito de propriedade?

Pinheirinho mostrou que na disputa entre direito humano x direito de propriedade quase sempre triunfa o inalienável direito de propriedade. Nas condições atuais, expulsar de suas casas 9.000 pessoas em benefício de um único homem, milionário, corrupto e que deve milhões ao Estado, é perfeitamente legal, alguns até consideram que é moral.

Aos “democratas” de plantão

São muitos os adjetivos pejorativos que usam para qualificar pessoas como eu: esquerdistas, esquerdopatas, comedores de criancinhas, totalitários, ditadores, fascistas e mais uma infinita lista de nomes elogiosos. Todavia, o caso Pinheirinho fez caírem as máscaras dos “democratas”, que apoiaram uma ação de limpeza social talvez mais cruel e sanguinária que as empreendidas pelo III Reich.

Embora o ocorrido no Pinheirinho tenha sido mais um episódio do massacre secular que as classes dominantes impõem ao meu povo, estou convicto de que, cedo ou tarde, despertaremos desse sono embrutecedor. Quando isso acontecer, enfim tomaremos as rédeas da história e construiremos o Brasil dos nossos sonhos.

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